José Lemos
No excelente documentário produzido pela Câmara dos Deputados sob titulo “Laboratório Brasil”, o ex-presidente do Banco Central, Gustavo Franco, fala que os Governantes gostam de “fazer bondades pintando papel”. Estava se referindo ao financiamento de um gigantesco déficit no orçamento do setor publico, utilizando a fabricação de dinheiro, para cobrir gastos desordenados dos governos militares e dos primeiros governos pós-regime militares: De Sarney e Collor de Melo. No descontrole das contas públicas residia a causa da hiperinflação então predominante no País.
O documentário recebeu aquele nome porque, de fato, os brasileiros, sobretudo os mais carentes, serviram de cobaias humanas para experiências mal-sucedidas de controle da inflação. A primeira delas, pós regimes militares, aconteceu em fevereiro de 1986, com o fatídico “plano cruzado” que congelou preços e salários. Dentre outros equívocos, também mudou as regras de liquidez e de saques da caderneta de poupança.
Esta forma mais tradicional de poupança no Brasil, sempre rendeu juros de 6% ao ano, acrescidos da variação da correção da moeda. Um rendimento modesto, mas que dava garantias para os correntistas, a maioria constituída de pequenos poupadores. Os seus donos tinham que deixar os depósitos por um mês para ter direito aos rendimentos.
O Plano Cruzado mudou esta regra. A partir de março de 1986, os saques, com direito aos rendimentos nas cadernetas de poupança, apenas poderiam ser feitos semestralmente. Por aquela época, devido à hiperinflação, os rendimentos nominais das cadernetas de poupança eram exorbitantes. Aqueles rendimentos eram altos por causa da inflação. Devido ao congelamento de preço, a moeda (cruzado) ficou estável por algum tempo, pois a inflação ficou em torno de zero, e a parte dos rendimentos da poupança decorrente da correção monetária praticamente zerou. Ficava apenas a correção dos juros de 6% ao ano, aproximadamente 0,5% ao mês, que para ser apropriado, nas novas regras, os correntistas tinham que esperar por longos seis meses.
Com rendimentos tão baixos e liquidez alterada, os correntistas sacaram os seus depósitos e foram às compras. Preços congelados, gente com dinheiro “sobrando” para gastar, pressionaram os preços que estavam artificialmente represados. O resultado foi o desabastecimento por causa desse conjunto de eventos.
Desfeito o descongelamento, depois das eleições de 15 de novembro daquele ano, os preços dispararam. De tal forma que a inflação saltou de 100% no Governo do General João Figueiredo, para 83% ao mês, no final do governo Sarney.
O governo atual, que parece não ter planos e, por isso, age ao sabor da conjuntura, lançou, neste mês de maio, uma série de medidas para tentar salvar o fiasco que se auspicia para o crescimento medíocre do PIB deste ano. E saiu-se via estratégia perigosa. Com a desculpa de que os juros não podem cair porque os rendimentos da caderneta de poupança são “altos” (quem diria!) resolveu mudar as regras da sua remuneração, tornando-a menor, sempre que a SELIC for inferior a 8,5% ao ano. Parte das desculpas apresentadas é que, neste patamar de juros anuais, os poupadores não comprariam títulos da divida publica e migrariam para as cadernetas de poupança.
Ora se este é o argumento, então por que não cortar os gastos do setor público, por exemplo, eliminando ao menos quinze ministérios inúteis? Por que os Estados e municípios também não fazem o mesmo em suas secretarias? Por que não reduzir o número de funcionários públicos nomeados sem concurso, mas fundado no critério da bajulação, da militância partidária ou do parentesco com figurões? Por que não reduzir drasticamente o número de municípios e, com ele, o numero de prefeitos e vereadores?
Para estimular a produção industrial, vai pelo caminho equivocado de produzir mais um “pacote” para o setor automobilístico. Aquele que despeja uma infinidade de veículos que congestionam o caótico transita das cidades. Setor que tem um contingente enorme de endividados e inadimplentes na festejada “classe média” que “surgiu no Brasil a partir de 2003”. Gente mergulhada em dividas, em créditos consignados, devido a financiamentos de automóveis “populares” e motocicletas, que se transformaram num caminho rápido de jovens encontrarem a morte ou invalidez permanente.
Com a poupança rendendo menos, os correntistas poderão fazer como fizeram em 1986. Sacam as poupanças e optam por consumir agora. Assim, o cenário que se auspicia, como conseqüência das medidas são: O PIB não experimentará crescimento significativo porque, em vez de investimentos, o governo optou pelo lado do consumo, que apenas desovará estoques já produzidos, ainda no ano passado. As chances de a inflação sair de controle e fugir das metas estabelecidas pelo próprio governo se exacerbam. O Governo está brincando com fogo. Ao tentar ser “bonzinho” para o setor automotivo e para a “nova classe média”, contribuirá para sufocá-la mais ainda. A conta, agora onerada por uma inflação que já mostra seus tentáculos, será paga por nós.
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*Artigo publicado em 26/05/2012.