José Lemos
Com este tema a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB lançou nesta quarta-feira de cinzas a Campanha da Fraternidade na sua versão 2011 (CF2011). O objetivo assumido da Campanha é: “Contribuir para a conscientização das comunidades cristãs e pessoas de boa vontade sobre a gravidade do aquecimento global e das mudanças climáticas, e motivá-las a participar dos debates e ações que visam enfrentar o problema e preservar as condições de vida no planeta”.
Não poderia ser mais oportuna a campanha. A população do planeta foi estimada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em sete (7) bilhões de pessoas em meados do ano passado. Todo este contingente amanhece todos os dias com a necessidade de ingerir ao menos um quilograma de alimentos. Ou seja, o planeta tem que produzir diariamente ao menos sete (7) bilhões de quilogramas de comida, para que atenda ao menos vegetativamente, toda essa gente.
Todo este alimento precisa ser produzido em um planeta que está encolhendo em termos de áreas agricultáveis. Isto ocorre devido à crescente urbanização das populações que avança nas áreas que antes eram dedicadas à produção de alimentos. Além disso, observam-se imensas áreas em avançado processo de degradação, muitas delas se transformando em desertos, devido ao desflorestamento, às praticas agrícolas predatórias, ao cultivo sem tecnologias adequadas, sobretudo pelos agricultores dos países pobres que mais dependem deste tipo de atividade, e à implantação de imensas áreas de monoculturas ou de pastagens por grandes complexos agroindustriais.
O mundo ainda tem a capacidade de produzir alimentos em quantidade que daria para alimentar toda a humanidade. Contudo essa produção está concentrada em algumas áreas, e a distribuição é dificultada ou inviabilizada pela inexistência de acessos minimamente adequados. Esta conjunção de fatores encarece os alimentos. Com efeito, neste momento aproximadamente 1,1 bilhão de pessoas passam fome no planeta principalmente na África, na Ásia, na America Latina. Isto acontece porque não dispõem de renda para adquirir a ração mínima diária necessária para a sobrevivência.
O uso de energia não renovável (carvão mineral e petróleo, principalmente) se constitui em fonte importante de degradação da qualidade de vida no planeta. A sua utilização libera os gases que são responsáveis pelo efeito estufa e pelo aquecimento global. A sua substituição por energia de biomassa, não tem contribuído para melhorar o panorama. Observa-se que no ano passado, uma parte significativa da área cultivada com milho nos Estados Unidos foi dedicada para a produção de etanol que alimentará os tanques dos carros dos americanos. No Brasil, as áreas utilizadas no cultivo de cana-de-açúcar e com soja, principalmente, avançam sobre as áreas que antes eram dedicadas ao cultivo de lavouras alimentares.
O uso do milho e da soja como matéria prima para produzir biocombustivel tem como impacto a sua escassez para as outras funções, como a alimentação humana, e como componentes essenciais das rações de animais encarecendo-as. O encarecimento da ração torna mais distante a possibilidade dos pobres terem acesso às proteínas de origem animal. Além disso, convém lembrar que para que essas lavouras se viabilizem economicamente, é necessário que usem intensivamente agroquímicos na forma de adubos, corretivos de solo, pesticidas em geral, combustível nas máquinas e nos equipamentos, todos derivados do petróleo.
Nas áreas rurais mais carentes do Brasil (Nordeste e Norte, principalmente), da África e da Ásia, a matriz energética ainda é comprometida com a queima de carvão ou lenha originários da vegetação nativa. No Nordeste a devastação do bioma caatinga é notável, sobretudo devido ao uso da sua vegetação como fonte primária de energia.
A implicação dessa devastação que encolhe geograficamente as áreas rurais é a emigração de todo um contingente populacional que engrossará os cinturões de pobreza das cidades de médios e grandes portes. Nessas cidades construirão casebres nas margens dos córregos, rios, nas encostas de morros e serão as principais vitimas de avalanches, enchentes, e de outros fenômenos naturais.
Assim, a mensagem da CF2011 leva inexoravelmente a reflexões que sinalizam que ao combate à pobreza, sobretudo a rural (haja vista ser ela uma das principais, senão a principal causa da pobreza urbana), deve ser a prioridade.
As energias e sinergias devem se voltar para o combate, sem tréguas, da pobreza. Não de forma paliativa mediante a mera transferência de renda, mas inserindo os pobres em atividades produtivas que emergem com o desenvolvimento rural e urbano sustentável. Isto somente será conquistado mediante a eliminação do analfabetismo e o incremento do atual nível de escolaridade, que no Brasil não chega a nove anos, e no Nordeste e Norte é menor que sete anos. Ancorada num projeto revolucionário de educação, uma das alternativas que atendem ao apelo da mensagem da CNBB seria a mudança da matriz energética do País para a construção de usinas de produção de energia eólica e solar, melhoria da infraestrutura urbana e rural. O encarecimento dos alimentos seria freado mediante o zoneamento agroecológico do País que delimite as áreas até onde podem avançar os cultivos dos agronergéticos, e provendo terra em quantidade e qualidade adequadas e tecnologias apropriadas aos agricultores familiares.
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*Artigo escrito no dia 10/03/2011