Nesta terceira semana de junho a FAO, entidade da Organização das Nações Unidas (ONU) que contabiliza as estatísticas e faz analises acerca da produção agrícola no mundo, divulgou estimativas espantosas. A população faminta deverá atingir um bilhão de pessoas em 2009, num mundo cuja população está em torno de 6,7 bilhões. Para a ocorrência dessa catástrofe há uma sinergia perigosa de crescimento da população nos países mais pobres, crise mundial que promove desaceleração econômica, desemprego com a elevação dos preços dos alimentos. Esta combinação de eventos contribuirá para empurrar algo como 100 milhões de terráqueos para se juntarem aos 900 milhões que já estavam na condição ultrajante de serem famintos.
Contudo, alem da combinação acima, deve ser acrescentado, como fator de restrição de acesso de alimentos àquele contingente populacional, a substituição da produção de alimentos pela de biocombustiveis na Europa e nos Estados Unidos, principalmente. Com efeito, os Estados Unidos em 2006 alocaram 14% das terras agricultáveis no plantio de milho destinado à produção de etanol. Para 2010 a previsão é que esta expansão de área chegue a 30% das terras cultivadas naquele País com milho para transformar-se em álcool combustível. Este seria um fator decisivo para a escassez relativa que provoca a elevação de custos de produzir alimento e gerar insegurança alimentar para aquele contingente de habitantes do planeta.
A crise energética é coadjuvante essencial deste processo. O petróleo entra em toda a cadeia produtiva da economia mundial. Na produção agrícola é componente dos agroquímicos utilizados para recuperar fertilidade dos solos para viabilizar a sua exploração continuada com culturas ou pastagens. Também entra na composição de pesticidas utilizados para combater pragas e doenças. As máquinas que operam nas lavouras o utilizam como combustível ou lubrificante. Tendo sido superada a fase produtiva, na pós-colheita o transporte se dará por veículos que a utilizam como fonte de energia. Portanto, se constitui em item de encarecimento de custos que gera escassez.
O desemprego decorrente da crise mundial promove rotação da força de trabalho que reduz os salários. Com isso o poder aquisitivo da massa de trabalhadores que conseguir segurar o seu posto de trabalho despenca em queda livre.
A FAO estima que a crise de insegurança alimentar é maior nas economias periféricas. Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI) os investimentos destinados a essas economias devem restringir-se da magnitude de 32%, acompanhada de uma retração de transferências para essas áreas de recursos estrangeiros que pode oscilar entre 5% e 8%. O protecionismo praticado pelas economias desenvolvidas tende a incrementar a dificuldade das economias menos desenvolvidas terem acesso a esses mercados, o que dificulta a produção interna e também contribui para a queda de renda.
A distribuição dos famintos do mundo se daria, segundo as estimativas atuais da FAO da seguinte forma: 642 milhões nas áreas da Ásia e do Pacifico; 265 milhões na África Subsaariana; 53 milhões na América Latina e Caribe; 42 milhões no Oriente Médio e 15 milhões nos Países desenvolvidos.
A insegurança alimenta atinge indistintamente as populações rurais e urbanas. Nas áreas rurais das economias pobres, as causas são a concentração da terra, a degradação dos solos, inclusive com áreas já em processo de desertificação na África, na Ásia, na América Latina e, particularmente, no Nordeste do Brasil. Estes fatores, isoladamente, ou de forma conjugada, contribuem para o encolhimento os espaços físicos de terras destinados à produção de alimentos provocando fome nas áreas rurais.
Essa gente faminta tende a migrar para as áreas urbanas, onde se incorpora às grandes massas que já sobrevivem nesses centros em condições precárias. Para se alimentarem precisam encontrar trabalho para obter a renda necessária para comprar a ração diária. Não encontram trabalho, e quando o encontra, a remuneração é insuficiente e, por isso, a ração é escassa ou inexiste. Incrementou-se assim o caos urbano que teve origem na crise de produção rural que, por sua vez, foi causada pela falta de desenvolvimento rural. Forma-se um ciclo difícil de ser rompido, e o resultado não poderia ser outro. Mais famintos no mundo.
Alguns grupos são mais vulneráveis à insegurança alimentar. Dentre esses grupos destacam-se as crianças. A desnutrição começa com a mãe que, faminta, não conseguirá produzir leite suficiente para amamentar os seus filhos. Por isso a taxa de mortalidade infantil causada por desnutrição é elevada e tende a se agravar.
Outro grupo de maior vulnerabilidade é a dos idosos. Aposentadorias que quando existentes são insuficientes para comprar comida, que nesta fase da vida compete com o pesado fardo da aquisição de medicamentos. Forma-se nesta fase da vida outro circulo terrível. Idosos desnutridos ficam ainda mais vulneráveis às doenças. Isso requer mais remédios, cuja renda é insuficiente para adquirir.
No Brasil as áreas mais carentes estão nas regiões Nordeste e Norte. Nessas regiões, estados como Maranhão, Piauí, Alagoas, Paraíba, Ceará, Acre, Rondônia, Pará, principalmente, apresentam estatísticas mais acentuadas de insegurança alimentar.
Estamos diante de uma grande encruzilhada na humanidade. Ou repensamos e agimos com urgência para reverter este quadro, ou o teremos acentuado. Também por isso ficamos indignados com as noticias de que alguns poucos conseguem acumular fortunas para si e para aqueles que tiveram a primazia de nascer sob seus desígnios ou privam do circuito fechado das amizades, conveniências e bajulações.
============
*Escreve aos sábados para o Jornal “O Imparcial” de São Luis, Maranhão.