José Lemos
As noticias de ocorrência de fome na África são recorrentes. Todos devem lembrar-se da crise que aconteceu na Etiópia nos meados dos anos oitenta, do século passado, em que milhões de pessoas, a maioria crianças, morreram de fome e produziram algumas das imagens mais chocantes e patéticas que insistem em não saírem de cena. Naquela época, um grupo de artistas cantaram a composição de Michael Jackson e Lionel Richie “We are the world” (Nós somos o mundo) que fez sucesso em todo o planeta, cuja arrecadação foi destinada a amenizar aquela situação. Uma belíssima e desprendida atitude dos artistas.
A situação não melhorou de lá prá cá, e tende a se agravar. Algumas das causas da fome na África estão associadas à forma desordenada da sua ocupação. São países que foram explorados à exaustão enquanto colônias e que continuam dependentes de fornecimentos externos. Tudo isso condimentado por um crescimento populacional explosivo. O continente tem a maior taxa de crescimento populacional do planeta. De uma população de 221 milhões de pessoas em 1950, a África conta atualmente com mais de 850 milhões. Portanto, uma taxa geométrica de crescimento superior a 2,3% ao ano.
Acresça-se também uma combinação de fatores a contribuir para aquele cenário de desolação. Dentre esses fatores se destacam: 1 – ocupação de grande parte das terras do continente para o plantio de extensas áreas de monoculturas para exportação e, que por isso, não produzem alimentos para o abastecimento interno; 2 – a renda baixa, uma das menores do planeta, desestimula a oferta de alimentos. Os produtores preferem exportar a produção a vendê-la pra quem não pode comprar. É a lei implacável do mercado; 3 – ocorrência de desertificação em áreas expressivas do território africano que deixam extensas áreas improdutivas e inférteis; 4 – problemas climáticos de escassez de chuvas. Já são dois anos seguidos de secas, o que dificulta ou impossibilita o cultivo de alimentos nas áreas rurais, extremamente carentes, em que as tecnologias de produção são totalmente dependentes de pluviometria em boas condições de volume e distribuição; 5 – conflitos étnicos e religiosos que causam intolerância entre grupos e provocam o êxodo de refugiados para acampamentos improvisados sem a menor condição de higiene, em que crianças famintas e subnutridas convivem com idosos em igual situação, sob os olhares impotentes de adultos que não tem o que fazer, a não ser aguardar ações de caridade humana.
As Nações Unidas estimam que neste momento, algo como 150 milhões de africanos não tem acesso a quantidades mínimas de calorias diárias. Muito pior do que esta previsão é aquela que mostra que algo como 23 milhões da população daquele continente poderão morrer como decorrência da falta de nutrientes vitais ao organismo humano.
Como se não bastassem os problemas relatados, há ainda a deficiência ou a ausência de abastecimento de água potável e de saneamento minimamente necessário. Esta combinação explosiva de fome e desnutrição com falta de água potável e saneamento torna os organismos daqueles seres humanos muito mais vulneráveis.
A situação mais critica se concentra no que é chamado de “Chifre da África” que é composto por: Somália, Etiópia, Quênia, e Dijibuti. Somente nessa região existem, no momento aproximadamente 11,5 milhões de famintos, dos quais, em torno de quatro (4) milhões são somalis. Contudo, a situação também é grave, segundo as Nações Unidas, em outros países como Sudão, Moçambique, Malawi, Libéria e Angola.
Na África estão os países que apresentam as menores expectativas de vida ao nascer, os menores níveis de renda per capita, reduzidas taxas de escolaridade e elevados percentuais de analfabetos. Como conseqüências, os países africanos apresentam os menores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do mundo.
É evidente que as soluções humanitárias são emergenciais, mas temporárias. Precisam ser revistas as políticas sociais, de ocupação do solo, de produção agropecuária, de investimentos internacionais naqueles Países para que a situação, até aqui recorrente, não se repita. Estamos diante de uma grande encruzilhada na humanidade. Ou repensamos e agimos com urgência para reverter este quadro, ou o teremos ciclicamente, com mais freqüência e redução do tamanho dos ciclos. Será isso que queremos?