José Lemos
Os cearenses costumam dizer que aqui é o Centro do Universo. Claro que se trata de mais uma, dentre tantas, sacadas hilariantes desse povo sofrido, mas bem humorado que utiliza expressões assim para jogar para cima o auto-astral da população de um estado que tem 184 municípios, dos quais 151 estão situados no semi-árido. Áreas com dificuldades climáticas, de solos e de cobertura vegetal. Mas que se tornam mais carentes devido à conveniência de políticos que a mantém nesta situação para dela tirarem proveitos. Todos conhecem o que ficou conhecido nacionalmente como a “indústria da seca”, que contribui para o carreirismo e enriquecimento de políticos inescrupulosos de toda a região Nordeste.
Ceará e Maranhão são os dois estados brasileiros que apresentam o maior contingente de população vivendo fora das suas fronteiras, tangidos pela falta de condições para sobreviverem com um mínimo de dignidade. O Maranhão, excetuando de 45 a 50 municípios onde sobrevivem aproximadamente um milhão e meio dos seus quase sete milhões de habitantes, não tem os problemas climáticos do Ceará. Mas na década de noventa do século passado foi o estado nordestino que apresentou a maior taxa de emigração. Os cearenses, fustigados pelos problemas climáticos, povoaram áreas mais úmidas do Maranhão e de toda a Amazônia, sem falar naqueles que foram para o Sudeste.
Apesar de todos os problemas o Ceará é um estado bastante singular no Brasil. Fortaleza tem um dos maiores influxos de turistas de todas as cidades brasileiras. Nos períodos de alta estação, como estamos atravessando agora, os seus hotéis ficam lotados. Mas esta é uma cidade de contrastes gritantes. Dos seus mais de 2,5 milhões de habitantes, contabilizados pelo ultimo Censo do IBGE, não menos do que um milhão sobrevivem em condições precaríssimas como mostro na ultima edição do meu livro.
No ano passado o Ceará, como todos os nove estados do Nordeste, experimentou uma das piores secas dos últimos vinte anos. Quase tudo que foi plantado, sobretudo por agricultores familiares, se perdeu. Para este ano as previsões para a quadra chuvosa não são otimistas. Mas os agricultores cearenses mantêm a sua fé inabalável. Do meu conhecimento, apenas o Ceará tem um padroeiro para o estado: São José, cujo data de comemoração em 19 de março, é referencia para um bom ou ruim ano de chuvas. Os cearenses, como os nordestinos, acreditam que chovendo no dia de São José é garantia de que haverá “os ligume” nas festas juninas e durante todo o ano.
Fazendo jus à auto-designação de “centro do universo”, o Ceará promove há quatorze anos um belíssimo festival de Jazz e Blues, nos quatro dias de carnaval, na cidade de Guaramiranga. Depois do carnaval o festival vem para Fortaleza. Guaramiranga é um paraíso. Está situada no Maciço do Baturité, uma área em relevo do Ceará que reúne treze municípios, onde vivem 230,5 mil pessoas, dos quais Guaramiranga tem a menor população (4.164 habitantes, 1.670 na área rural). Neste ano eu resolvi conferir aquele festival. Confesso que fiquei encantado com o que vi e ouvi. Eu que já a conhecia de outras ocasiões, encontrei uma cidade lotada, com congestionamento de transito nas ruas e de gente bonita na sua principal praça e avenida. Sobretudo jovens, mas havia muitos adultos contagiados e envolvidos com o clima de paz que aconteceu naqueles quatro dias.
No palco desfilaram artistas de grande talento como Rosa Passos, baiana que faz sucesso nos Estados Unidos. JJ Jackson e Tia Carrol, cantores americanos que empolgaram pelas vozes, talentos e repertórios. Waldonys, cearense que toca sanfona com maestria, acompanhado do pianista carioca Misael da Hora, fizeram uma leitura envolvente de parte da obra de Gonzagão em tom de Jazz. Anna Torres, maranhense que vive em Paris, levantou a platéia com a sua bela voz cantando clássicos como “Summer Time”, e interpretando parte das obras de Edu Lobo, Tom Jobim, Edith Piaf. Mas a maior sacada do festival, na minha avaliação, foi o projeto do Governo do Estado que incentiva jovens de todo o Ceará. Foi contagiante ver garotos e garotas de diferentes municípios, dos mais remotos à capital, estudantes de escolas públicas, tocando afinadamente piano, violão, contra-baixo, instrumentos de sopro, de percussão, bateria interpretando Jazz e Blues. Foram quatro dias de leveza para a alma, de beleza para a visão, de calor para o corpo. Nas noites, os termômetros acusavam 15 graus centigrados. O jeito era buscar calor interno num gostoso copo de chocolate bem quente.
Apesar de tudo, fiquei com um sentimento de frustração e me perguntei sem ter resposta: Quando será que alguma das 217 cidades maranhenses, incluindo a capital, organizará um evento como aquele? Quando teremos um Governo investindo em talentos jovens mantendo-os longe das drogas e preparando-os para o futuro? Quando? Quando???
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*Texto publicado em 16-02-2013.