José Lemos.
Eu já tive o privilegio de passar o mês de junho em alguns lugares do Brasil, e até fora do País. Por isso, acho que posso dar um testemunho com conhecimento de causas.
Fala-se muito das festas juninas de Campina Grande e de Caruraru. Comecei a minha carreira Docente na Universidade Federal da Paraíba em Campina Grande que fica perto de Caruaru. Tive o privilegio de vivenciar ativamente, por mais de um ano, os belos festejos juninos daquelas duas cidades. São, de fato, cativantes, alegres, intensos, movimentados. Mas que me perdoem pernambucanos e paraibanos, não se comparam com os que fazemos em São Luis. Falo assim, não apenas por estar impregnado pelo bairrismo e pelo orgulho que tenho de ter nascido maranhense, mas, principalmente porque, de fato, os nossos festejos são bem mais bonitos, diversificados e criativos. Lá praticamente se resumem às impagáveis quadrilhas. Aqui, temos uma diversidade de ritmos, de cores, de poesia, de cantoria, de batucadas, de lendas do imaginário popular e de misturas de raças.
Em junho, especialmente, o céu em São Luis é mais azul. Sempre chove neste mês, mas a parte mais forte da quadra chuvosa (nosso inverno) ficou prá traz. Por isso as temperaturas são mais amenas. Os folguedos começam em maio, com a festa do Divino em Alcântara. Um Sincretismo religioso que nos faz viajar ao nosso passado. No livro do Josué Montelo (“Noites Sobre Alcântara”) pode-se ler para aprender e emocionar-se com as origens do ritual dessa festa que precede os festejos juninos. Essas são, de fato, as nossas origens maranhenses. Uma historia muita rica que nós insistimos em não acatar com garra.
Em junho começam os arraiais na Ilha. Nos meus tempos de criança e adolescente, as brincadeiras de bumba-meu-boi eram discriminadas. Era coisa de negros, caboclos e de roceiros pobres. Uma grande bobagem, porque aqueles coloridos, aqueles sons, aquelas festas de cunho religioso, sempre possuíram beleza, ritmo, poesia, obras de arte. E as nossas origens, como povo, são essas. Hoje melhorou um pouco, mas ainda não damos o devido e merecido valor a este conjunto de manifestações do nosso rico folclore.
Aquela gente simples dos subúrbios e das áreas rurais mostra um talento incrível na construção dos “couros” dos bois, das fantasias, dos chapéus de penas. O teatro ao ar livre com personagens como a Catirina, o Pai Francisco, os Cazunbás feiticeiros. As meninas, ainda impregnadas pela beleza da tenra juventude se vestem como “índias” e emolduram aquele conjunto harmônico de cores, sons e poesias. Levitam, numa coreografia bela, em torno do “novilho” que balança o “corpo inteiro” ao ritmo dos sons tirados de tambores, chocalhos, cornetas, matracas que acompanham as cantorias feitas em rimas de toadas que falam do cotidiano de gente simples, como somos a maioria dos maranhenses.
No meado dos anos cinquenta, do século passado, Raul Prebish, um economista argentino, reuniu um grupo de pensadores com o objetivo de estudar, para entender, as razões dos desníveis entre os padrões de desenvolvimento entre economias ricas e pobres. Dentre tantos itens que compõem o portfólio de causas, uma das mais importantes detectadas por eles foi a dependência cultural. Através dela, as economias ricas impõem a sua cultura, a sua forma de viver, e as economias pobres a assimilam como suas. Por esse instrumento, aparentemente inofensivo, os ricos vão impondo os seus produtos e criando demandas cativas nas economias pobres. Com isso vendem mais dos seus produtos e ficam mais ricos à custa do empobrecimento das economias periféricas.
Nós os maranhenses talvez sejamos, dentre os brasileiros, aqueles que mais incorporamos o sentimento de achar que o bom é o que vem de fora. Nossa comida, nossa música, nossa arte, nossa forma de falar, nosso bumba-boi são coisas muito simples para serem valorizadas por nós. Por isso, artistas de Parintins no Amazonas, se inspiraram na nossa cultura, e adaptaram por lá o nosso bumba-boi. Certo que o deles está mais para carnaval, e é uma festa mais profana. O nosso tem cunho mais religioso. Mas ali está um exemplo vivo de como não damos importância ao que é nosso. Somos obrigados a ver, pela televisão, todos os anos, o bumba-boi sendo encenado tendo o Brasil como platéia, que o reverencia como autentico, o que não é verdade. O nosso festejo, que é o original, tem diferentes sotaques e estilos (o deles é uníssono, monótono, carnavalesco) e está na nossa raiz cultural, fica escondido, como algo que ainda nos envergonhamos. Uma pena!
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*Artigo publicado em O Imparcial do dia 2/07/2011.