José Lemos
Dezembro tem características diferenciadas dos demais meses do ano. Parece que as pessoas ficam contagiadas por um clima de aproximação bem diferenciado. É certo que nos últimos anos os dias que antecedem ao Natal se transformou num período de gastança, por vezes compulsiva.
As noticias que vemos insistem em mostrar estatísticas de expectativas de vendas por parte do comércio. O efeito que o recebimento do décimo terceiro salário, por parte dos trabalhadores, terá sobre o incremento das vendas. Os meios de comunicação “contabilizam” ouvindo “especialistas” quanto “será injetado na economia” (em geral “chutes”) a partir desses pagamentos.
De quais presentes falamos tanto nestes dias do ano? Seguramente aqueles que contam, que é o afeto, a aproximação, o prazer de ficar junto com as pessoas que amamos e que nos amam valem muito pouco. Pelo que se vê, e ouve, parece que somente fazem sentido esses contatos com as pessoas queridas se vierem acompanhados de algo material.
Enquanto isso, a Polícia Rodoviária e os Hospitais montam plantões nos dias que antecedem e se pospõem ao Natal com previsões sinistras acerca das expectativas dos acidentes que acontecerão provocados por todo tipo de excessos. Espírito do Natal é isso? Claro que não! Há manifestações bem mais interessantes.
Nesta época do ano, impossível é não voltar no tempo, na minha infância em São Luís. Na nossa casa tudo era muito limitado. Nos dias 24 de dezembro a mamãe preparava um bolo de tapioca (os cearenses chamam de goma o que nós maranhenses chamamos de tapioca) com azeite de coco babaçu, coco seco, ralado manualmente por ela. Com a maior satisfação, diga-se a bem da verdade.
“Com o dinheiro contado, o papai ia à Mercearia do ‘Seu” Geovani, que ficava no Caminho da Boiada, esquina com a vila da Macaúba para comprar uma porção de manteiga que vinha enrolada num pedaço de papel celofane. Mais três ovos, e a receita estava completa. A massa era colocada pela manhã para amolecer com o leite de coco misturado com um pouco de leite de gado, comprado de vendedores de rua. À tarde ela fazia as misturas com as mãos e os olhos brilhantes de felicidade. Depois assava no fogareiro de carvão. Não tínhamos fogão a gás. Algum tempo depois o bolo assumia uma coloração dourada e um aroma incrivelmente gostoso. Hora de retirar. Antes da meia noite os adultos de casa se deliciavam com generosos nacos daquele bolo, regados por copos de café bem quente. Crianças não podiam tomar café para poder dormir cedo e esperar o “Papai Noel”. Café de noite “espantava o sono”, mamãe ensinava. Naquela noite eu não podia correr risco de não dormir cedo para que o “Bom Velhinho” pudesse colocar o presente sob minha rede. Quanta fantasia!
“Papai Noel” essa figura emblemática, repleta de magia para crianças do meu tempo, “caiu na gandaia”. Na nossa época ele “aparecia” (quando “aparecia” para crianças como eu) apenas na noite de Natal. Era um “ser” misterioso, mágico, mas que nós acreditávamos na sua existência. Mas o “Papai Noel” quase sempre não comparecia para mim. Levantava de manhã cedinho, no dia de Natal, e procurava debaixo da rede o tão esperado presente que deveria ter sido depositado pelo “Bom Velhinho”. Afinal eu havia sido durante o ano um garoto traquino é certo, mas responsável com as notas na escola. Este não era o requisito para ele trazer presentes? Ficava intrigado e queria saber o que eu teria feito de errado durante o ano para merecer tamanha desdita. Mamãe, sempre ela, tinha a resposta na ponta da língua. Resposta que ela preparou com sofrimento nos dias anteriores ao Natal. “Papai Noel neste ano estava lotado de pedidos e não deu para passar por aqui”! Explicava, sem muita convicção. Vendo os meus olhos marejados, corria para pedir dinheiro emprestado e comprar algo que amenizasse aquele meu sofrimento. Aliviava, mas não resolvia o problema.
Assim foram muitos dos nossos Natais em nossa casinha. Mas fomos felizes. Meus pais tinham honradez. Tiveram a convicção de que o caminho que nós (eu e o meu irmão) precisávamos trilhar tinha que passar por escolas públicas. Vendo hoje a massiva propaganda nas televisões, com “Papai Noel” “aparecendo” com dois meses de antecedência, imagino como esses apelos funcionam na cabeça de crianças que têm as mesmas carências que eu tive. Acho que o sofrimento é bem maior.
Fala-se pouco do Aniversariante do dia maior dos cristãos. Enfatiza-se muito o “velhinho barbudo” que deixou de ter a magia que tinha há bem poucos anos e se transformou num símbolo da segregação econômica e social. Sim, porque crianças pobres veem aquela figura todos os dias por todos os cantos. Um sujeito discriminador, que trará presentes sofisticados para garotos de famílias mais bem posicionadas, e deixará aqueles carentes, frustrados. Pior, no dia de Natal verão, na televisão das suas casas, crianças desfilando com sofisticados brinquedos que elas jamais poderão ter. Uma dor muito maior do que aquela que eu mesmo senti na minha infância nos dias de Natal sem brinquedo. Mas eu tinha o conforto das palavras carinhosas da minha mãe e do meu pai. Será que essas crianças de agora ao menos terão esse lenitivo para suportar a dor de não serem contempladas pelo “Bom Velhinho”?
Desejo aos meus leitores deste Jornal um Bom Natal, aconchegados com os seus entes queridos. Presentes materiais, se acontecerem, serão apenas detalhes.
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*Texto pra o dia 23 de dezembro de 2018.