José Lemos
Quem tem mais de quarenta e cinco anos vivenciou as escolas do regime militar que perdurou no Brasil de abril de 1964 até o começo de 1985, com a eleição de Tancredo Neves, por via indireta para Presidente da República. Tancredo, que não conseguiu assumir porque adoeceu no dia da posse em 15 de março daquele ano e morreria em 21 de abril, assumindo o seu vice-presidente. Justamente um cidadão que havia apoiado todos os governos militares e que grande parte dos brasileiros dizia querer se livrar, que teve seu ápice no movimento das “diretas já” em 1984. Devidamente boicotado pela Rede Globo, porque não queria contrariar os militares. A mesma Globo que continuaria na contramão da vontade dos brasileiros, e sempre na defesa dos poderosos de ocasião, na salvaguarda dos seus próprios interesses.
Eu posso me considerar privilegiado porque pude ser, e estar participe, e atuante, dessas duas fases do debate acerca do que se chama “Escola sem Partido”. Os militares queriam se firmar no poder e sabiam (como qualquer poderoso) que os jovens devem ser aliados da sua causa. Os ensinamentos de então eram ancorados em valores como respeito aos professores, aos mais velhos, aos pais, às leis, aos símbolos da pátria como bandeira, hino. A família tradicional (homem e mulher, como cabeças) era a célula mais importante daquele processo. E era para ser preservada porque aquela filosofia de ver o mundo ensinava que devia ser assim. E tinha o respaldo cientifico da biologia: apenas o casal, formado por macho e fêmea, procria.
Aqueles eram tempos da “guerra fria”. Estados Unidos da América e a então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (USSR) travavam batalhas que ameaçavam a paz mundial. Cada uma delas tentando impor a sua hegemonia ao Planeta. Perdurava no mundo uma efervescência em diferentes frentes, em que os debates entre esquerda e direita eram acirrados. A revolução cubana havia acontecido na América Latina no começo dos anos cinquenta e ameaçava se alastrar pelo continente latino-americano.
Os militares no poder no Brasil, com apoio da maioria dos brasileiros, eram alinhados com o modelo americano, e travaram uma luta renhida contra aqueles ideais que tentavam se alastrar por estas bandas, evitando que ele contaminasse os jovens, sempre mais vulneráveis a se envolverem em aventuras mais audaciosas. E aquela causa “socialista” era simpática para muitos de nós. Para mim inclusive.
Nas escolas publicas que, no geral, eram melhores do que as privadas (Liceu, Escola Técnica de então eram sonhos de consumo de famílias de todos os padrões de renda no Maranhão), havia a disciplina “Educação Moral e Cívica”. Era obrigatória e tinha alguns dos melhores professores. Naquela disciplina nos eram ensinados aqueles valores. Mostravam-se as virtudes (verdadeiras ou não daquele regime que a disciplina suportava) e denunciavam-se os horrores (verdadeiros ou não) do que seriam as vidas de quem vivia nos países alinhados à USSR. Doutrinação pura.
Entre 1968 e 1973 o PIB brasileiro cresceu ao ritmo chinês de hoje. Garrastazu Medici era o Presidente da República. Gozava de tanta popularidade que Lula (para desespero dos que o idolatram ainda hoje) reconheceu que ele ganharia qualquer eleição direta, caso concorresse. E ele foi tido como um dos mais duros dos militares no poder.
Os militares criaram o MOBRAL (programa bem sucedido de alfabetização de adultos que era execrado pela esquerda, porque não adotava o modelo de Paulo Freire, que hoje sabemos, não era dele). A música que prevalecia não era “engajada” nos movimentos ditos de “vanguarda”. Roberto Carlos e a sua Trupe liderava o programa de maior audiência nas tardes de domingo na TV Record (os programas eram distribuídos pelo Brasil com uma semana de defasagem, via videoteipe). A Banda “Os Incríveis” fazia sucesso com a Música “Eu te Amo meu Brasil”. A dupla Dom e Ravel era execrada pelos de “vanguarda” porque fazia apologia àquele momento brasileiro.
Com a crise do petróleo, no início de 1973, os governos militares começaram a dar sinais de fadiga. Os movimentos de esquerda passaram a ser mais explícitos. Surgiram os chamados artistas “engajados” que “metiam o pau” nos “alienados” (para eles) do movimento da Jovem Guarda. Hoje sabemos porque eram de “vanguarda”.
Naquela época, vejam só, a “esquerda” falava que a escola não deveria ter partido. Por que ela defendia esse ponto de vista? Porque a escola ensinava o que não lhes convinham. Aqueles que eu falei neste texto. São eles, os de “esquerda”, os mesmos que hoje dizem que não é possível haver escolas sem partido. Porque nas escolas de hoje a doutrinação é outra. A que lhes convém. Quanta “coerência”!
Na minha modesta opinião escola é para ensinar matemática, ciências, falar e escrever corretamente o português, línguas estrangeiras… A escola deve ser um ambiente saudável em que prevaleça o respeito entre professores e estudantes. Jovens, se optarem em seguir um curso Universitário, não precisarão da tutela de professores para lhes “ensinarem” os caminhos ideológicos, religiosos ou opção sexual. Recebendo educação adequada todos nós temos a capacidade de discernir sobre os nossos caminhos. Acho que essa deveria ser o fundamento de uma Escola sem Partido. Qualquer coisa diferente disso é tratar os jovens como incapazes de definirem o seu futuro. Tanto na minha época de jovem estudante como para os jovens de hoje.
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Professor Titular na Universidade Federal do Ceará. Texto do dia 25/11/2018