José Lemos*
Pedindo licença aos leitores para discorrer um pouco acerca de temas teóricos, bastante áridos para a grande maioria, mas fundamentais, na minha modesta avaliação, para tentarmos entender o que está acontecendo neste Brasil pós-eleição. Os brasileiros que votaram na atual Presidente devem estar perplexos porque “compraram” uma mercadoria e estão recebendo outra. Os marqueteiros convencionais jamais agem assim. O que oferecem para os consumidores tem que ser o que devem entregar. Caso não o façam, além de perderem a credibilidade, os órgãos de defesa do consumidor estão em cima para fazer com que seja cumprido o que foi prometido. Em eleições no Brasil não é assim. Não temos a quem reclamar. Mas pelo menos devemos ter algumas informações para entendermos para onde a mercadoria que nos entregam irá nos levar.
Comecemos falando de famílias que tenham renda mensal de até três salários mínimos, que representam algo como setenta e cinco por cento das famílias brasileiras. Imagine-se que uma dessas famílias aufere R$2.000,00 por mês. Caso a família em um mês tenha despesas de R$2.200,00 ela terá que buscar de algum lugar este acréscimo de duzentos reais. Caso tenha poupanças acumuladas fará uso delas. Não as tendo buscará ajuda em familiares (pai, mãe, sogro, sogra, irmãos). Se nenhum desses entes puder socorrer, terá que recorrer ao cartão de crédito, cheque especial, crédito consignado ou ao agiota particular. Em qualquer desses casos de recorrência ao sistema financeiro, terá que pagar juros. O socorro vindo de algum membro da família pode provocar constrangimentos. “Queimar” poupanças, se existirem, também não dura muito tempo.
O fato é que a nossa família não poderá continuar gastando mais do que ganha indefinidamente, sob pena de repetir também indefinidamente o calvário descrito acima. Em algum momento os seus membros terão que conversar para tentar ajustar as despesas ao orçamento. Identificam onde podem ser feitos cortes, eliminar supérfluos, “queimar gorduras” para que a vida financeira e tudo o resto volte ao normal.
Os governos das nações são passageiros. Definitivo é o Estado que existirá independentemente dos governos de ocasião. Não obstante este fato, governos irresponsáveis podem provocar crateras nos Estados que requererão sacrifícios enormes dos cidadãos para repará-los. Não raro, esses equívocos podem comprometer gerações.
O orçamento do setor público ou dos governos tem duas vertentes. Uma de inputs que consiste nas entradas e os outputs que são as saídas. Os inputs, ou receitas do setor público advêm, principalmente, da arrecadação de impostos diretos e indiretos. O imposto direto é o que incide sobre a renda. Pagam imposto de renda os trabalhadores (cuja renda é o salário) e os empresários (cuja renda é o lucro) que usufruem rendimentos a partir de um patamar. Para cometer justiça fiscal os impostos (diretos ou indiretos) devem ser progressivo, incidindo mais sobre quem tem renda maior.
Os impostos indiretos são pagos quando adquirimos bens ou serviços. Assim, quando temos imóveis pagamos o IPTU. Possuidores de automóveis pagam IPVA, IPI, ICMS e outros impostos indiretos. Aquela nossa família que tem renda mensal de R$2.000,00 pagará o mesmo ICMS sobre arroz e a carne que consumir que pagará uma família que tenha renda de R$20.000,00. Em fazendo assim, caso as duas famílias tenham o mesmo número de componentes e consumam as mesmas quantidades daqueles itens, sobre a família de menor renda incidirá, proporcionalmente, uma maior carga tributária. Dizemos que este tipo de imposto é regressivo. ICMS ao incidir com a mesma alíquota sobre pobres e ricos é um exemplo acabado de imposto regressivo, causador de injustiça social. Coisas de um Governo que se auto define de popular.
Quando os Governos, como o atual, gastam mais do que arrecadam, dizemos que temos déficit no orçamento público. Aí começa um rosário de problemas que estão associados à forma como será financiado esse déficit. Todas problemáticas. Há, basicamente, quatro possibilidades de financiar um orçamento deficitário no setor público. 1 – monetização do déficit, que consiste em emitir moeda para financiá-lo. Gustavo Franco, que foi Presidente do Banco Central, chama esta alternativa de “pintar papel para supostamente fazer bondades”. Como o dinheiro foi impresso sem a contrapartida da geração de riqueza, provocará inflação. Aí está a fonte primária de quase todos os processos inflacionários, inclusive o da atualidade brasileira. 2 – os governos podem financiar o déficit emitindo dívida pública junto aos setores privados internos ou externos. Neste caso o governo envolve o setor financeiro na vender dos seus títulos para os poupadores. Para convencê-los a comprar os seus títulos, terá que oferecer remunerações acima daquelas prevalecentes nos mercados interno e externo. Leiam-se juros elevados. Por isso o Brasil tem uma das maiores taxas de juros do mundo. Além de elevar as taxas de juros, o que sacrifica os investimentos internamente e o crédito para a aquisição de bens, esta forma de financiamento do déficit eleva as dívidas públicas, interna e externa. 3 – elevação da carga tributária. Neste caso o governo tentará transferir para os que trabalham e produzem toda a sua incompetência administrativa. Mas esta alternativa pode ter efeito contrário ao desejado. A medida estimula a sonegação fiscal, a informalização da economia e desestimula a produção. O PIB pode cair em decorrência, e uma alíquota, mesmo maior, incidirá sobre um produto menor, o que pode reduzir a arrecadação, exatamente o que o governo não queria.
A quarta, e mais adequada forma de reverter um orçamento deficitário no setor público, é fazer o que aquela nossa família fictícia fará. Um ajuste nas suas contas, cortando despesas, reduzindo gastos, eliminando os supérfluos e tudo que for inutilidade. Qual foi a escolha do atual governo? Aquilo que ela dizia que a oposição faria, embora nenhum candidato da oposição tivesse falado nisso na campanha: elevar a carga tributária. Nada de reduzir o número de Ministérios. Nenhuma palavra acerca da redução dos cargos comissionados para os companheiros despreparados. Nós, inclusive os que não votaram nela, pagaremos caro as irresponsabilidades e as incompetências de uma administração desastrada. De quebra ainda temos o recrudescimento da inflação e estaremos viajando na contramão do bom senso. Enquanto o preço do petróleo despenca no mundo inteiro, a classe média brasileira pagará um dos maiores preços de combustível do mundo. A nossa carga tributária que já era mastodonte, irá disparar. A qualidade dos serviços ficará pior. Com essa gente, o que é ruim, sempre pode piorar. O Estado brasileiro demorará a retomar o seu caminho. E quanto mais tempo essa gente ocupar os cargos de comando, mais dramático será o nosso calvário.
========
*Ensaio Publicado no Jornal Pequeno do dia 25-01-2015