José Lemos
Neste oito de setembro a nossa querida São Luís completou 402 anos desde a sua fundação. Nós, que tivemos o privilégio de ter os primeiros passos da vida nessa cidade, temos um enorme orgulho. Infelizmente não pude, como eu gostaria, ter contribuído mais para o progresso da cidade que escancarou as portas para mim e para a minha família quando cheguei aos oito meses de idade.
Na sua já longa trajetória, a nossa capital experimentou momentos de grandiosidade na sua rica história. Única capital fundada por franceses no Brasil, a cidade construiu uma arquitetura que é uma bela mistura de diferentes raças e culturas. A parte mais antiga da cidade é um verdadeiro santuário arquitetônico, ainda que não esteja merecendo o tratamento e a conservação que faz por merecer. Nós maranhenses temos muito de nos orgulhar pelas belezas construídas pelo ser humano de diferentes raças e nações e que deixaram os registros nos belos prédios, logradouros públicos e privados da nossa São Luís.
Mas nossa cidade tem também uma exuberância natural que talvez seja única neste enorme continente chamado Brasil. Também com os nossos recursos naturais não temos sido cuidadosos. E aí não podemos responsabilizar apenas aqueles que nos governaram ou governam. Bom lembrar que, ao menos nos últimos anos, todos eles foram colocados nos postos pelo processo da escolha pelo voto universal. É certo que o processo eleitoral em lugares como o nosso não tem lá essas lisuras. O poder econômico, a manutenção de pessoas sob as rédeas da dominação mediante favores, ainda é muito forte. Isto distorce o processo das escolhas, mas não é fator único na definição e na exposição das nossas dificuldades que não são poucas. Não precisamos usar deste artifício para tratar mal a nossa cidade.
Uma viagem no passado, nem tão remota assim, da nossa cidade nos faz lembrar fatos e eventos que marcaram as nossas vidas. Nesse período,os habitantes de São Luís testemunharam movimentos culturais e esportivos memoráveis. Tivemos aqui estaçõesde rádio AM e de ondas curtas com programações que não ficavam a dever àquelas produzidas nos centros ditos mais avançados. A Rádio Difusora era a que tinha a maior audiência. Foi lá que ouvíamos programas diários como Rádio Atrações MC (Murilo Campelo), a crônica de Bernardo Coelho de Almeida, lida no vozeirão de Fernando Souza “A Difusora Opina”. Locutores esportivos como Canarinho, Guioberto Alves. Mas tinha também a Rádio Ribamar, onde Jafé Mendes Nunes comandava a programação esportiva. Polivalente, além de “boliviano” ranzinza assumido e declarado, treinava o excelente time de futebol de salão chamado Athenas. Time que era praticamente imbatível na quadra do Cassino Maranhense ou dos Maristas, principais palcos de então. Mas tinha também o “Drible” , time que rivalizava com o “Athenas”.
O estádio NhozinhoSantos, que nunca foi e nem quer ser ‘arena” foi palco de clássicos memoráveis envolvendo o meu Sampaio, o Moto, MAC, Vitória do Mar, Ferroviário. A seleção maranhense de futebol foi campeã do Norte. Havia o “Torneio Maranhão Paui” que, aos moldes do Torneio Rio-São Paulo, envolvia times maranhenses e do Piauí, que contribuíam para acirrar a rivalidade esportiva entre os dois estados. A grana era sempre curta para assistir aos jogos e por isso ficávamos nas imediações do estádio esperando os portões abrirem cinco a dez minutos dos finais das partidas para os torcedores saírem. Naqueles momentos entrávamos e assistíamos aquele restinho de partida. Chamávamos de “enxurrada”. Aquilo funcionava como se tivéssemos assistido ao jogo inteiro.
Os colégios maranhenses eram muito bons. Liceu e Escola Técnica reuniam o que havia de melhor. Os meus professores no Liceu tinham orgulho da sua condição e eram respeitados. Ser professor do Liceu era algo de grande relevância. Que o digam quem teve o privilégio, como eu tive, de ter professores como Rubem Almeida, Maria de Jesus Carvalho, Sued, Ivaldes,Agesislau… Tive o privilégio de conviver com colegas que já então mostravam grande talento. Caso do Erico Junqueira Aires que nos tirava do sério com os seus desenhos irreverentes, hoje um talentoso Engenheiro e um grande cartunista reconhecido nacionalmente. Tinha Bulcão e Herbert que já mostravam enormes talentos de poetas. Tantos outros que hoje são médicos, engenheiros, odontólogos. Mas além do Liceu e da Escola Técnica havia colégios bons como Maristas, Rosa Castro, Santa Tereza, Ateneu Teixeira Mendes, Escola Normal, que funcionava no Prédio do Liceu às tardes, onde apenas estudavam as moças. Moças que povoavam as nossas fantasias de adolescentes.
O cursinho do Zé Maria do Amaral era local obrigatório para aprimorar os conhecimentos de álgebra, trigonometria, física, biologia, química para quem queria fazer bonito nos vestibulares. A Escola de Agronomia da Amazônia de Belém fazia o seu vestibular naquela capital e em nossa São Luís, onde eu, e tantos outros maranhenses tiveram o privilégio de estudar.
Descer a Rua Grande no final das manhãs depois das aulas era programa obrigatório dos jovens. Descíamos em turma sempre de olho nas garotas. Eu não tinha lá essas atrações físicas e, para completar era um dos mais pobretões do meu grupo, tinha que fazer “ginástica” para que alguma garota desgarrada fizesse o favor de ao menos me notar. Difícil. Mas ia tocando a vida.
Os nossos logradouros, construídos pelos nossos antepassados, verdadeiras joias arquitetônicas, como as Praças do Carmo, da Alegria, dos Remédios, João Lisboa… O bairro do Portinho com os seus casarões e igrejas. Casarões como o Convento das Mercês, tudo construído numa fase áurea do nosso Maranhão. Nossas lindas praias. São Luis viu nascer e aplaudiu talentos nacionais como João do Vale, cuja obra mais conhecida “Carcará” foi sucesso nacional na voz de Maria Bethania. Alcione que nós maranhenses já conhecíamos nos programas de rádio, foi mostrada para o Brasil pelos canais nacionais de televisão.
Nos céus de São Luis, nestes meses de agosto, setembro, outubro, principalmente, quando há uma trégua da quadra chuvosa, eram enfeitados pelos “papagaios”. Nós esbanjávamos talento. Tinham os “de borboleta”, “de compasso”,“de bandinha”, “de olhos”, “de listras” . Todos com rabos de algodão. E tinham os algodões coloridos que agregavam no visual daquelas obras de arte no ar “guinando”. Com os “sacalões” praticamente colocávamos o “papagaio” onde queríamos. Linha com “cerol” feito de vidro meticulosamente socado em em casa em pilões de ferro caseiros para depois ser passado na linha com grude feito de goma rala. No céu as “lanceadas” e um monte de garoto (eu no meio deles) com uma vara na mão e de cara pra cima, pronto para correr na direção onde iriam cair os papagaios “cortados” nas “lanceadas”. Brincadeira inocente que mudou muito. Hoje é criminalizada. Não se empina mais papagaio em São Luis, mas umas arraias sem graça com rabos que não são mais de algodão. Talvez eu é quem esteja ultrapassado. Até por isso, porque as minhas fases de criança e de adolescente aconteceram naquele outro ambiente e momento, eu talvez ache estranho. Que me perdoem os garotos de agora pela minha incompreensão.
São Luis terá sim condições de voltar a ser uma cidade aprazível. Depende da nossa vontade.
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Texto publicado em 8 de setembro de 2014.