José Lemos
Inicio este texto pedindo desculpas aos leitores em razão das estatísticas, que eu terei que colocar para mostrar, com a frieza desses números, o que todos já sabemos, mas talvez não tenhamos a dimensão das diferenças que existem entre os brasileiros que ocupam este nosso imenso território de 8,5 milhões de quilômetros quadrados.
Esta vastidão territorial explica apenas em parte esses Brasis que temos dentro desta terra que sempre foi, e segue sendo, maltratada por nós mesmos, que escolhemos as figuras que estão ai legislando em nosso nome e tomando conta dos recursos que passamos através dos nossos suados impostos diretos (os poucos que podem pagar, como mostrarei) e indiretos, em que boa parte deles nós somos compulsoriamente obrigados a encarar. E ainda somos chamados ironicamente de “contribuintes”.
O tema assimetria que acontece no Brasil é recorrente no meu trabalho acadêmico. Escrevi o livro: “Mapa da Exclusão Social no Brasil: Radiografia de um País Assimetricamente Pobre”, editado pelo Banco do Nordeste que já está na terceira edição (todas esgotadas). Ali eu mostro que, embora se dissemine pelo País inteiro, a exclusão social tem sotaques definidos e geografia identificada dos sujeitos mais atingidos. Leitores interessados podem baixá-lo no link: https://www.lemos.pro.br/wp-content/uploads/LIVRO-EM-PDF.pdf.
O IBGE contabilizou para 2017 uma população de 207,7 milhões de brasileiros. A Receita Federal acaba de divulgar o montante dos brasileiros que fizeram a declaração do imposto de renda neste ano de 2018, tendo como referência o ano de 2017. Fomos 29.269.987 (14,1%) que cumprimos aquela obrigação de “contribuintes”.
Estavam obrigados a fazer a declaração do imposto de renda todos aqueles que tiveram rendimentos, em todo o ano de 2017, iguais ou superiores a R$28.559,70. O salário mínimo mensal em 2017 era de R$ 937,00. Isto equivale a R$ 11.244,00 no ano de 2017. Dividindo o valor mínimo em que os “contribuintes” estavam obrigados a declarar rendimento ao Fisco Federal pelo valor anualizado do salário mínimo chegamos ao quociente de 2,5. Depreende-se que apenas 14% da população brasileira tem renda igual ou superior a 2,5 salários mínimos. Uma tragédia! Para dizer o mínimo.
Deixem-me colocar mais alguns números que irão chocar a todos. Mesmo para quem trabalha com eles, como é o meu caso, eu fiquei impressionado com esta informação que eu contabilizei. A irresponsabilidade de grande parte dos políticos brasileiros que criaram municípios a rodo, pensando nos votos que amealhariam, e não no bem estar das populações “emancipadas”, nos empurrou goela abaixo 5.570 municípios. Basta multiplicar este número pelo total de prefeitos, vice-prefeitos, vereadores, secretários municipais, dentre outros penduricalhos, para se entender o tamanho do assalto que isso representa para nós que trabalhamos e pagamos impostos.
Pois bem meus amigos, em 4.449 desses municípios o PIB per capita está abaixo deste teto mínimo que a Receita Federal estabelece para que tenhamos que prestar contas a ela.
Vejam só este outro contraste brasileiro. Em 2015 o PIB per capita do Brasil era de R$ 29 mil anuais. Em torno deste valor, nos 5.570 municípios, havia um situado na Bahia chamado, ironicamente, de Novo Triunfo cuja infortunada população tinha PIB per capita de apenas R$3.369,79. Vocês não estão lendo errado. Nem eu me equivoquei ao colocar o valor. No outro extremo existe um município chamado de Presidente Kennedy, situado no Espírito Santo, em que a população detém, o maior PIB per capita brasileiro de R$513.134,20.. O PIB per capita de Novo Triunfo, na Bahia, representava apenas 0,36 do Salário Mínimo anualizado. No PIB per capita de Presidente Kennedy cabiam 54,3 salários mínimos anuais de 2015 e 152 PIB per capita de Novo Triunfo.
Está no Nordeste (39%) e no Norte (10%) a maioria dos municípios cujas populações têm PIB per capita abaixo do piso do imposto de renda em 2017. Nessas duas regiões, como se vê, está a metade dos municípios brasileiros cujas populações não têm renda per capita de ao menos 2,5 salários mínimos. Lembrando que o Norte tem baixíssima densidade populacional. Um imenso vazio demográfico. Ainda bem!
Antes que alguém menos informado, ou com tendência de tentar salvar a pele dos que governaram a partir de 2003, e atribuir esses números a uma situação atual, eu adianto que ela perdura desde o começo deste milênio. Com efeito, no meu livro eu mostro como estávamos em 2010. Não muito diferente do cenário atual. Essas coisas não acontecem assim de repente. Não são conjunturais, mas essencialmente estruturais.
Agora mais uma daquelas estatísticas que tanto incomodam quem nos governa e quer fazer crer que o nosso Maranhão voa em céu de Brigadeiro, navega em mar de Almirante, e corre em pista de Piloto de Fórmula Um. Dos 217 municípios maranhenses, em 210 as populações estão nesse grupo cujo PIB per capita não credencia, em media, as populações fazerem a prosaica declaração de imposto de renda.
Mas o Brasil continua deitado e dormitando em Berço Esplêndido. Até quando?
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* Texto para o dia 05/05/2018.