José Lemos*
A característica mais importante de uma Democracia está na possibilidade dos cidadãos escolherem os seus representantes e governantes. Assim sendo, sempre haverá ganhadores e perdedores. Os que conquistaram a maioria dos votos serão os vencedores. Os que não conseguiram essa maioria serão os perdedores. Deverá sempre prevalecer a vontade da maioria. Vencedores e perdedores, passado o pleito, passam a ter vida normal. Aqueles, agora com a responsabilidade da condução dos destinos dos estados, do País. Os perdedores, a minoria, devem fazer oposição crítica, para o bem de todos.
Não é isso que observamos no Brasil nos últimos tempos. Um grupo que queria ser hegemônico ad infinito, não aceita esses fundamentos do processo democrático e, paradoxalmente em nome dele, ameaça a todos nós que irá para a resistência. Resistências acontecem quando o poder é usurpado. Como na Venezuela, por exemplo.
Os 47 milhões que votaram no candidato perdedor, em grande parte não tem comportamento igual ao do candidato. São pessoas honradas que trabalham, tem dificuldades em arregimentar recursos para pagarem as suas contas. Sequer devem ter comportamento ideológico semelhante ao seu líder. Votaram nele porque avaliaram que o outro candidato, por alguma razão (que apenas eles sabem) não satisfaz os anseios do homem que queriam para governar o país. Portanto, não devem ser acusados de qualquer deslize que, eventualmente o candidato em quem votaram haja cometido.
Os 57 milhões que votaram no candidato vencedor, por sua vez, o fizeram por motivações parecidas. Avaliaram que, entre os dois postulantes o mais adequado para governar o País nos próximos quatro anos seria ele. Comportamentos, formas de expressar, posicionamento ideológico do líder não são, necessariamente, avaliados pelos que neles votaram. Apenas decidiram que, dentre os dois, ele era o mais adequado.
A parte mais raivosa dos que votaram no candidato perdedor, insuflada por algumas das suas lideranças, acusava todos os que não pactuavam do seu ideário de reacionários, ultra-direitistas, fascitas, machistas, homofóbicos, preconceituosos…
Em muitos casos partiram para agredirem quem tinha a coragem de se expor. A Presidente do Partido fez um discurso raivoso em pleno plenário do Senado (rebatido à altura pela espetacular Senadora Ana Amélia do Rio Grande do Sul) acusando o candidato a que se opunha de violento. Falou que ele, o candidato, seria o responsável por eventuais atentados contra os postulantes que ela apoiava. O interessante é que o “violento” estava com o intestino dilacerado por um rapaz “carinhoso” que o alvejou covardemente quando ele apenas usava a palavra no meio da multidão. Eles queriam transformar a vitima em criminoso, e o que esfaqueou em vítima a ser protegido.
Aqui na minha Universidade, na segunda-feira, depois dos resultados consolidados, uma funcionária falou para todos ouvirem, com uma expressão que de raivosidade sádica e uma forma estranha de orgasmo que, o Presidente logo depois da confirmação do resultado da sua eleição não pôde subir em palanque para agradecer aos eleitores porque, se o fizesse “espalharia merda e fedor para todos os lados”.
Em 2002 foi a ultima vez em que eu votei para Presidente da República. Naquela eleição já o fiz, tapando o nariz, em Lula em quem eu ainda confiava. Percebi logo, com a composição do Ministério, com os apoios que havia aglutinado, que tudo aquilo que houvera sido dito no passado e eu acreditei, não passava de “bravatas”. Depois daquela eleição eu anulei o meu voto em todas as outras. Iria fazer o mesmo nesta deste ano, em função do leque de opção que não me satisfazia. Mudei de ideia justamente no dia 6 de setembro, depois daquela facada covarde. Deduzi ali que se aquele homem fazia tanto medo para os que nos infernizaram por 16 anos, então mereceria o meu voto.
Percebemos que os estados mais prósperos escolheram o candidato como antídoto para aquela ameaça. Não venham nos dizer que somos mais de 75 milhões de fascistas, homofóbicos, racistas, direitistas, reacionários… Não partiu de qualquer um de nós o uso de arma mortífera contra qualquer daqueles a quem nos opusemos.
Vi também com tristeza que o Nordeste foi a única região em que a maioria da população não conseguiu vislumbrar o perigo que seria dar de novo voto de confiança para essa gente. Isso não aconteceu por acaso. O nosso PIB continua representando apenas 13% do que acontecia no começo do milênio. Estão nos nove estado do Nordeste os menores PIB per capita e o maior percentual de pobres do Brasil. Maranhão e Piauí nessa ordem, desde 2015, são os estados que detém os menores PIB per capita do Brasil. Piauí e Maranhão, tem as menores escolaridades médias do Nordeste que, por sua vez, detém a menor escolaridade média do Brasil (7,4 anos). No Maranhão e no Piauí estão os maiores percentuais da população que mal concluiu o nível fundamental (70 % em ambos). Não é coincidência o fato de Piauí e Maranhão terem dado a maior votação proporcional ao candidato que a maioria dos brasileiros não queria. Não vamos censurar os nossos conterrâneos por isso. Difícil será lhes tirar dessa situação de pobreza e apartação social, haja vista que por aqui essa gente ainda tem muita força. O trabalho da equipe do novo Presidente deverá ser bem mais intenso no Nordeste
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Professor Titular, Coordenador do Laboratório do Semiárido na Universidade Federal do Ceará. Artigo escrito em 01/11/2018.