José Lemos
Numa noite de fim de março de 2002 eu estava aqui na minha casa em Fortaleza quando tocou o telefone. Do outro lado da linha estava Luciano Moreira, então Secretário de Planejamento da Governadora Roseana Sarney, que estava se desincompatibilizando para se candidatar ao Senado Federal. Ela que havia sido detonada das pretensões de candidatar-se a Presidência da Republica (vejam só!) abatida pela avalanche do escândalo da lunos que a apanhou junto com o seu marido.
Eu não conhecia o Luciano pessoalmente. Mas ele me conhecia através dos meus trabalhos científicos, ou em meus textos no Jornal Pequeno, principalmente, sempre contundentes mostrando as mazelas provocadas pelo grupo para o qual ele trabalhava com grande fidedignidade. Por isso eu estranhei a ligação. Ele conseguiu o meu contato através de um ex-orientado meu que era Professor da UEMA.
Ele me ligou a pedido do então Vice-Governador José Reinaldo (ZR) que iria assumir, no começo de abril, o cargo de Governador com a desincompatibilização da titular. Na época o Maranhão amargava a última posição no ranking de desenvolvimento humano dos estados brasileiros (IDH=0,636 pela antiga metodologia).
ZR, a quem eu também não conhecia e que disse me conhecer e admirar os meus trabalhos técnicos e jornalísticos, queria melhorar os padrões de qualidade de vida dos maranhenses e gostaria de ouvir a minha opinião sobre como fazer isso. Eu aceitei o convite e lá fui eu conversar com o então Vice-Governador. Aproveitei e fiz um seminário para a equipe que estava elaborando o plano do seu Governo.
Como decorrência daquela conversa, ZR me convocaria novamente via Luciano, para outra conversa na casa oficial de Vice Governador. Ali, o quase empossado Governador, me fez um convite surpreendente: Queria que eu assumisse a Secretaria de Agricultura que ele iria recriar como decorrência das sugestões que eu havia dado para ressuscitar o estado que estava moribundo. Tomei um susto.
Ele percebeu o estado em que eu fiquei. Totalmente fora de mim. Jamais imaginei aquele tipo de possibilidade, nem nos meus maiores devaneios, eu que sempre fui, e continuo sendo, um sonhador inveterado. Disse-me que eu não precisava decidir naquele momento. Eu teria até o outro dia à noite para dar a resposta.
O fato é que aquela foi a decisão mais difícil da minha vida profissional. Depois de auscultar os meus familiares, colegas professores, ex-estudantes, resolvi não aceitar. Claro que, vaidoso como eu assumidamente sou, aquele convite mexeu com o meu ego. Mas eu avaliei que se assumisse, mais atrapalharia do que ajudaria. Aquele era ano de campanha eleitoral. ZR iria tentar a reeleição e teria que estar em parceria com os então aliados, a quem eu não tinha vontade em cultivar qualquer tipo de aproximação.
Ele ficou chateado comigo, mas eu falei que ajudaria o seu governo nos bastidores sem qualquer ônus, desde que ele avaliasse conveniente. E assim fiz.
O tempo passou, ele rompeu com a família, e num domingo de final de janeiro de 2005 eu estava sozinho em casa, refestelado numa rede, ouvindo música, quando o telefone de casa tocou em torno das 21:00. Eu o atendi, e do outro lado estava o ZR. Foi direto: “Estou lhe ligando para lhe convidar para ser Secretário de uma Pasta que está vazia”. Era justamente a do Luciano Moreira, eu descobri depois. Eu pedi para ele algumas horas para decidir, porque precisava conversar com a minha família que naquela noite estava toda fora de casa. Pelas onze da noite eu liguei direto para ele confirmando que aceitaria. Marcamos a posse para o dia 5 de março de 2005.
A minha função era traçar um plano de combate à pobreza, de tal sorte que retirássemos o Maranhão da incômoda posição de ultimo no ranking de desenvolvimento humano da ONU. Crítico assumido que sou do IDH como “calibrador” de desenvolvimento humano em áreas de pobreza, por várias razões, eu elaborei um plano que estava ancorado no índice que eu criei e que foi um dos “papers” apresentados no meu programa de “Visiting Scholar” na Universidade da California. Um “termômetro” em que eu busquei contornar as dificuldades que eu identificava no IDH. Eu o batizei como “índice de exclusão social” (IES). Contém cinco indicadores e varia entre zero e cem. Para chegar ao IES eu tracei um sofisticado caminho teórico e de modelagem estatística. Quanto menor for o IES maior será o IDH.
Com uma equipe competente, desenhamos o Programa de Desenvolvimento Integrado do Maranhão (PRODIM), ancorado no IES. O PRODIM seria financiado pelo Banco Mundial (US$40 milhões) e os fatos que sucederam me fizeram o seu executor.
Numa noite, já no final de fevereiro de 2006, eu estava voltando para casa em São Luís. Em torno das 22:00, eu mesmo ao volante da Caminhonete da Secretaria. Já havia liberado o motorista. O celular tocou e, do outro lado, estava o Governador dizendo que queria falar comigo naquela hora. Fui para o Palácio encontrá-lo. Ele foi incisivo: “Estou lhe convocando para assumir a Secretaria de Agricultura”.
Confesso que fiquei feliz. Por aquela ocasião aquele já era um sonho acalentado, embora soubesse das demandas politicas que estavam acontecendo nos bastidores para a escolha do novo Secretário de Agricultura. Aceitei. Não sem antes dizer para ele que eu gostaria de fazer um projeto piloto de recuperação da mata ciliar do Rio Itapecuru. Este foi o único pedido que eu lhe fiz para aceitar o honroso posto.
Em 5 de abril eu tomei posse como Secretário de Agricultura, numa solenidade muito concorrida. Meus conterrâneos de Paricatiua do município de Bequimão, onde eu nasci, compareceram em peso. No meu discurso de posse eu prometi que no dia 5 de junho daquele ano, dia internacional do meio ambiente, o Governador e eu plantaríamos as primeiras árvores do Projeto Piloto de Recuperação da Mata Ciliar do Rio Itapecuru.
Reuni eu torno de mim uma equipe competente, construída de dois ex-orientados meus, um Professor da UEMA e um colega dos tempos de Liceu, Engenheiro Civil, Doutor em Urbanismo pela USP e que é professor da UFMA. Chamei uma Agrônoma Alemã que coordenava uma ONG no Maranhão. Um time enxuto e perfeito!
Não deu outra. No meio de uma multidão entusiasmada, num dos dias mais emocionantes da minha vida, em 5 de junho de 2006, fizemos um mutirão de plantio. Planejamos recuperar seis (6) hectares, mas o fizemos em doze (12) hectares com o mesmo recurso, graças ao envolvimento das comunidades ribeirinhas que se apropriaram do projeto e às doações de seis mil (6000) mudas que recebemos.
ZR entregou o governo ao seu sucessor com o estado descolado da última posição no ranking terrível de pobreza, avaliada no sentido lato. A meta de IDH=0,700 que ele havia planejado atingir foi superada. Deixamos com IDH=0,705. Aquele foi um período de prosperidade para os maranhenses. Eu me orgulho de registrá-lo na minha história de vida. Sempre serei grato a ZR por me ter dado aquela oportunidade.
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Professor Titular e Coordenador do Laboratório do Semiárido (LabSar) na Universidade Federal do Ceará. Artigo escrito com exclusividade para o Jornal Pequeno. Publicado em 4 de junho de 2017.