José Lemos*
Em 1950, logo depois de finda a segunda guerra mundial, as Nações Unidas faziam o ranking da qualidade de vida dos 52 países a ela então filiados, utilizando o PIB per capita como referencia. Naquele ano este indicador valia US$$1.673,00 no Brasil. Isso nos colocava na 30ª posição entre as 52 possíveis.
Naquele mesmo ano de 1950 o Japão tinha PIB per capita de US$1.873,00, que o deixava na 29ª posição. Agora vem a informação mais relevante e que é a fonte inspiradora deste texto, e que já o havia sido do texto da semana passada neste mesmo espaço sob título: “Brasil: Há anos-educação da prosperidade”. O título inicial daquele artigo era: “…Anos-Luz…”. Decidi substituir “Luz” por “Escolaridade”.
Pois bem, a informação inspiradora dos dois textos é esta: Em 1950 o PIB per capita da Coreia do Sul era de raquíticos US$$876,00. Isso mesmo, a Coreia do Sul tinha PIB per capita que era apenas 52% da média brasileira em 1950.
Em 1960 a Coreia do Sul tinha uma das maiores taxas de analfabetos do mundo e a escolaridade média era de apenas 4,3 anos. Justo naquela década começou a grande revolução coreana, cujo resultado nós podemos constatar agora, com toda pujança, 57 anos depois. A revolução foi pela educação. Foi implantado um arrojado programa de educação de jovens, priorizando matemática, ciências, e erradicação do analfabetismo de adultos. O resultado é que em 1990 a escolaridade média dos coreanos havia chegado aos dez (10) anos. Eu fiz as contas e estimei que o ritmo médio de aceleração de escolaridade naqueles trinta anos foi de frenéticos e inacreditáveis 2,8% ao ano.
Eu tive o privilégio de conhecer de perto a experiência coreana em viagem cientifica que eu fiz, como pesquisador-bolsista do CNPq, em companhia de mais doze colegas de outras partes do mundo. Estivemos lá durante 25 dias, e viajamos o país inteiro de ônibus (a Coréia tem área equivalente a Pernambuco). Apenas 1/3 da superfície coreana é agricultável, e o maior, e talvez único recurso natural que o país tem em abundancia, é um contingente enorme de pessoas de olhos amendoados. Conferir aquela revolução com os meus próprios olhos, conversando com pessoas, visitando instituições de ensino, pesquisa, empresas como a Hyundai, Samsung, foi uma das minhas melhores e maiores experiências profissionais.
Os avanços coreanos estão ancorados no tripé: 1- Envolvimento das famílias na formação dos filhos; 2 – boa qualificação e remuneração dos professores, uma das maiores do planeta. Os professores são remunerados de acordo com a produtividade, avaliada por critérios técnicos; 3 – compromisso forte do Estado com a Educação tendo uma população vigilante e consciente de que é este o caminho e, por isso, exerce o seu direito e dever de fiscalizar e cobrar sem tréguas.
É certo que esses resultados também foram conquistados, em grande parte, devido à formação milenar da sua população. Um rígido comportamento cultural e religioso que impõe aos mais jovens o respeito aos mais velhos, a quem atribuem sabedoria e, por isso, os reverenciam . É inimaginável na Coreia do Sul um estudante partir para agredir um professor ou professora verbal ou fisicamente.
A partir de 1990 as Nações Unidas introduziram e difundiram o conceito de Desenvolvimento Humano (DH) que leva em consideração, além do PIB per capita, o estoque de educação e a longevidade das populações. Um avanço, sem dúvidas, na aferição da qualidade de vida, tendo em vista que ter PIB per capita elevado não significa, necessariamente, oferecer padrões de qualidade de vida também elevado para as populações. Os exemplos mais acabados dessa assertiva estão nos países asiáticos exportadores de petróleo que tem elevado PIB per capita, mas muito concentrado em que poucos se beneficiam da fonte primaria de riquezas desses países.
Pois bem, no último ranking de Desenvolvimento Humano publicado pelas Nações Unidas que se refere ao ano de 2016, Japão e Coreia do Sul ocupam, respectivamente a 17ª e 18ª posição. O PIB per capita do Japão é de US$37.268,00 e o da Coreia do Sul é de US$34.541,00. Japão e Coréia do Sul erradicaram o analfabetismo. A escolaridade média é de 12,5 anos no Japão e 12,2 na Coreia do Sul.
Naquele mesmo ranking, o Brasil está “refestelado” em “berço esplendido” na 79ª posição de DH em 188 possíveis. O PIB per capita que a ONU estima para o Brasil em 2015 é de ridículos US$14.145,00, ou 41% do que acontece entre os Coreanos.
A escolaridade média dos brasileiros em 2015 patinava nos 8,4 anos. E, como eu mostrei no texto passado, a taxa de aceleração da escolaridade média brasileira entre 2002 e 2014 foi de apenas 1,7% ao ano. Em 2015 havia 12,9 milhões de brasileiros analfabetos maiores de 15 anos, numa população estimada pelo IBGE de 161,8 milhões de brasileiros nesta faixa etária. A taxa de desaceleração da população analfabeta maior de 15 anos entre 2002 e 2015, estimada por mim, é de apenas 1,3% ao ano. Enquanto isso, a população desta faixa etária cresceu a um ritmo médio anual de 1,9%.
Estão no Nordeste sete (7) milhões desses analfabetos brasileiros maiores de 15 anos. Isso representa 54,5% dessa população de infelizes. Também no Nordeste 62% da população maior de dez anos não completou o nível fundamental de ensino e a escolaridade média não passa de 7,5 anos. Tem tragédia maior do que essas?
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*Professor Titular, Coordenador do Laboratório do Semiárido (LabSar) na Universidade Federal do Ceará. Texto para o dia 09/09/2017.