José Lemos*
A recente lei Federal que obriga os estados e municípios em alocar ao menos 30% dos recursos destinados à merenda escolar para aquisição de itens produzidos por agricultores familiares é uma das medidas mais acertadas dos últimos tempos. Esta é uma reivindicação antiga de quem estuda desenvolvimento rural. Em muitos dos meus textos acadêmicos, e mesmo de jornais, já vinha escrevendo sobre a conveniência e importância de se dar este destino aos recursos da merenda escolar. Isto pode ser constatado nas paginas 190 e 191 da Segunda Edição do livro “Mapa da Exclusão Social: Radiografia de Um País Assimetricamente Pobre’. Lá está escrito:
“As Prefeituras Municipais e os Governos Estaduais podem, ao invés de comprarem a merenda escolar que é fornecida nas escolas públicas dos municípios e dos estados, através de fornecedores de fora do município ou do estado, adquirir os produtos utilizados nessa merenda escolar no próprio município onde está inserida a escola ou no seu entorno. Isto poderia se constituir num instrumento de política de desenvolvimento rural para os estados e municípios brasileiros, sobretudo para os mais carentes. Assim, seria anunciado no início do preparo das áreas para plantio, mediante comprometimento explícito do Governador ou do Prefeito, com o aval das Assembleias Legislativas e Câmaras dos Vereadores, respectivamente, a aquisição dos produtos da merenda escolar junto aos agricultores do município. Este seria um importante mecanismo estimulador para a produção agrícola municipal e estadual e, seguramente, uma forte alavanca das oportunidades de ocupação e de geração de renda nos municípios. Para poderem participar de tais programas os agricultores deveriam criar entes jurídicos (na forma de associações, sindicatos ou cooperativas). Esses entes jurídicos viabilizariam o trabalho coletivo desses agricultores, ao tempo em que os credenciariam a emitirem recibos e notas promissórias para as prestações de contas junto às Prefeituras e às Secretarias de Fazenda Estaduais. Este programa teria como impacto adicional, fomentar padrões alimentares adaptados às culturas locais, e de não introduzir e criar hábitos alimentares exóticos a essas comunidades. Deveriam ser criados Conselhos Fiscais nos municípios, constituídos por membros eleitos da, e pela sociedade civil local, além dos representantes das Câmaras dos Vereadores (caso dos municípios) e Assembleias Legislativas (caso dos estados), objetivando exercer uma fiscalização criteriosa e uma utilização e gestão transparente desses recursos públicos.”
“Os fardamentos das escolas públicas (municipais e estaduais) deveriam ser adquiridos, pelos Governos Municipais e Estaduais, de costureiras(os) do próprio município, reunidos em associações, e fornecidas, gratuitamente aos estudantes em cada semestre letivo do ano. As atividades de costura são grandes empregadoras de mão de obra e, portanto, exerceriam um forte impacto na geração de ocupação para uma parte significativa da força de trabalho não agrícola dos municípios e dos estados.”
“As agroindústrias e os pequenos negócios, também se constituem em importantes instrumentos de geração de ocupação nos aglomerados humanos das cidades do interior. Assim, mini-usinas de beneficiamento de leite, por exemplo, onde há vocação leiteira, poderiam ser estimuladas através da política de crédito oficial dos bancos de desenvolvimento (Banco do Brasil e Bancos regionais), com recursos dos diferentes tipos de PRONAF. As escolas municipais e estaduais poderiam se constituir nos grandes compradores desse leite que seria distribuído como reforço na merenda escolar das crianças e adolescentes matriculados nas escolas públicas dos municípios e dos estados. Se fosse fornecido, por exemplo, 250 ml de leite para cada criança e adolescente por dia, para cada grupo de 1000 crianças e adolescentes matriculados nas escolas públicas, o impacto na produção do município seria da ordem de 250 litros de leite por dia ou 1.500 litros por semana. Sem dúvida um instrumento inestimável, como alavanca para o desenvolvimento rural desses municípios.”
“Outros tipos de agroindústrias, como aquelas voltadas para a produção de doces, queijos, beneficiamento de produtos primários, casas de farinha, dentre tantas outras, podem e devem se constituir em espaços não desprezíveis que precisam ser estimulados como instrumentos importantes na agregação de valor e de mudança no perfil dos produtos agrícolas, reduzindo-lhes o grau de perecibilidade. Além de todos esses benefícios, essas iniciativas promovem a geração de ocupação nas cidades do interior brasileiro e devolvem a auto-estima para as famílias, desestimulando-as de migrarem para as grandes áreas urbanas, além de introduzir justiça social.”
Políticas assim, atreladas ao fornecimento de bolsas de estudos para as crianças e adolescentes comprovadamente carentes (o conceito de carência poderia ser discutido amplamente), por prazo definido, e vinculado à freqüência e à cobrança de performances na escola, surtiriam, na nossa modéstia avaliação, um impacto importante para haver a mobilidade social que reduz os atuais e elevados níveis de apartação social que nas áreas rurais se manifesta de forma mais incisiva. Esta sim seria uma transferência de renda propositiva, na medida em que estimula a produção, o avanço no conhecimento das famílias, a vontade de auferirem renda monetária através da contrapartida da produção. Não seriam meros receptadores passivos de transferências assistencialistas, como acontece com o Bolsa Família, em que há uma enorme porta de entrada e não há porta de saída.
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*Escreve aos sábados para o Jornal “O Imparcial” de São Luis, Maranhão. Artigo publicado em 12 de setembro de 2009.