José Lemos*
Começamos 2017 com a esperança de que este ano não será igual aos cinco anos que passaram. Como naquela imortal marchinha de carnaval composta por Umberto Silva e Pedro Sette, que falava que “este ano não vai ser igual àquele que passou”.
O Ceará, que talvez tenha a maior capacidade de armazenamento de águas no Nordeste, está atravessando dificuldades tremendas. Os exemplos mais acabados dessa assertiva são os açudes Cedro, situado em Quixadá, que está praticamente seco, e o Castanhão, situado em Jaguaribara, com capacidade de armazenar 6,7 bilhões de metros cúbicos de água, e que chegou a menos de dez por cento do seu potencial em 2016.
A população do Ceara inteiro, como de resto, de todo o Nordeste, sobretudo aquela residente nos 1048 municípios que estão reconhecidos pelo governo Federal como pertencentes ao semiárido, está apreensiva com a perspectiva de este ano não ser aquele que estamos todos esperando. Um ano com chuvas abundantes, torrenciais até.
Vale lembrar que além dos 1048 oficialmente reconhecidos pelo Governo Federal como pertencendo ao semiárido, temos pelo menos mais 15 municípios no Maranhão, que tem características técnicas de semiárido, como demonstramos recentemente em trabalho apresentado no Primeiro Congresso Internacional do Semiárido e em artigo na Revista Geografares da Universidade do Espírito Santo.
As previsões da FUNCEME, entidade que é responsável pelo serviço de meteorologia do Ceará, que reúne alguns dos mais competentes técnicos do Estado, além de dispor de equipamentos sofisticados de previsão, prevê para este ano que temos probabilidade elevada de chover abaixo da média histórica do estado (800mm).
Contudo, os “Profetas” do Clima, que não tem computadores sofisticados, nem treinamento em boas Universidades do Brasil ou do Exterior, que não dominam as sofisticadas técnicas e os modelos estatísticos, mas tem toda uma vida de convivência e de conhecimento da natureza, anteveem um cenário mais favorável.
Como homem de ciência, eu preferiria ficar do lado daqueles que tem o portfolio de treinamento e equipamentos em seu favor. Como ser humano, eu gostaria que se confirmassem as previsões dos leigos. Estou na maior torcida para que as evidências da pluviometria para este ano, caibam na margem de erro dos meteorologistas. Afinal, na megasena, a probabilidade de alguém ganhar é quase nula. Mas sempre tem alguém que ganha. Então, como sabemos que os modelos estatísticos tem fortíssima componente aleatória, de outra forma não seriam estatísticos, vamos esperar que aconteça com as chuvas aquilo que os meus colegas da Meteorologia demonstram ter baixa probabilidade de ocorrência: Chuvas acima da nossa média histórica.
Mas os problemas decorrentes da falta de chuvas não são novidades. Eles são recorrentes e acontecem de forma cíclica (lá vem a Estatística de novo). Sendo assim, então porque nunca se encontraram soluções definitivas para o problema da escassez hídrica do Nordeste? E mesmo de parte do nosso Maranhão?
Eu morei no estado mais rico dos Estados Unidos, a Califórnia, em que chove, em media, muito menos do que no Nordeste. E aquele estado é o maior produtor agrícola daquele país. Israel é um país em que praticamente não chove. E, aparentemente de forma paradoxal, dá show ao mundo de como produzir bens agrícolas com escassez hídrica.
O Maranhão tem rios perenes e caudalosos como o Munim, Itapecuru, Mearim, O município de Morros, que é banhado pelos Rios Una e Munim, é um dos mais carentes do Maranhão e do Brasil. Ali, não se vê um “canudinho”, desses que as pessoas usam para tomar refrigerante, irrigando um prosaico pesinho de tomate… Então a pergunta que fica é: Será que os nossos problemas no Nordeste se restringem à escassez hídrica? Ou seria este um paliativo para justificar o descaso em todas as áreas. Eu fiz um trabalho que defendi como Tese para Professor Titular em que demonstro as Vulnerabilidades Induzidas do Nordeste. A seca não é vulnerabilidade induzida.
Fala-se na transposição das águas do Rio São Francisco, como panaceia para resolver as nossas carências hídricas. Os governos que administraram o país nos últimos quatorze anos iniciaram, com toda a pompa, uma obra de transposição que tinha um orçamento inicial, e de cujos valores já enterrados ali, não se tem qualquer ideia hoje. O fato é que aquela “transposição” irrigou muitos bolsos e não chegou uma gotinha de água nas casas, ou nas roças dos nordestinos, sempre esperançosos.
Nem chegará, porque o Rio São Francisco também padece de maus-tratos. Está todo assoreado. A sua vazão é claramente deficiente. As matas ciliares foram destruídas. O rio se arrasta a partir da sua nascente na serra da Canastra nas Minas Gerais e desemboca no Atlântico já agonizante. Aquela música do Gonzagão (“Riacho do Navio”) que fala que as águas do São Francisco vão bater no meio do mar, já deixou de ser verdadeira. É o mar que arrebata, sem piedade, as águas fraquinhas na foz do nosso “Velho Chico”. Mas o nosso dinheiro continua sendo dilapidado numa obra que não tem previsão de acabar. E talvez nem interesse para alguns que acabe, porque ali estão as “fontes de irrigação” das “turbinas” de alguns. E não podem secar. Para eles, claro!
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*Professor Titular e Coordenador do Laboratório do Semiárido na Universidade Federal do Ceará. Escreve aos sábados para esta coluna desde abril de 2004.