José Lemos*
O tema da Campanha da Fraternidade é “Cuidado com os Biomas Brasileiros”. Não haveria assunto mais relevante para o momento. A Igreja Católica mais uma vez marca presença abordando algo que passa desapercebido para a maioria dos brasileiros.
Bioma é a parte viva que se encontra em um ou mais ecossistemas. Os ecossistemas se caracterizam por acomodarem elementos bióticos (animais, vegetais e micro-organismos) que vivem em sinergia com os fatores abióticos (solo, água…). Os elementos vivos retiram do ecossistema a sua nutrição que lhes propiciarão as condições de preservação das espécies. A outra função vital. No Brasil temos seis (6) Biomas: Amazônia, Caatinga, Mata Atlântica, Cerrado, Pantanal e Pampa.
Neste texto eu vou concentrar reflexão sobre o bioma Caatinga que somente acontece nos nove estados do Nordeste Brasileiro, e em parte do norte de Minas Gerais. Caatinga é palavra de origem indígena que significa “paisagem branca”. Definição que se dá devido à feição que assume esse bioma nas fases de estiagem hídrica que é a regra.
Predominam na Caatinga árvores de pequeno porte, arbustos e cactáceas. Plantas que desenvolvem mecanismos de convivência com o ambiente hostil de elevadas temperaturas, fortes ventos, solos rasos, pedregosos. A Caatinga talvez seja um dos biomas mais depredado do planeta, em consequência do uso da lenha para combustível, da caça predatória e da seca recorrente que acontecem nos ambientes sob esse bioma.
A vegetação de caatinga é típica, mas não única, no semiárido brasileiro. O semiárido é um tipo de ecossistema caracterizado pelo baixo índice pluviométrico. Na maior parte do ano não chove e a umidade relativa do ar é baixa. No caso brasileiro se caracteriza por apresentar anormalidade de pluviosidade espacial (dentro de uma própria área) e temporal (ao longo dos anos). Em geral apresenta de três (3) a quatro (4) meses de precipitação de chuvas, e nove (9) a oito (8) meses de estiagem ao longo dos anos.
O fato é que a escassez hídrica, traduzida na forma de ocorrência sistemática de secas, proporciona ao semiárido brasileiro uma visibilidade que nos constrange a todos que pairamos por aqui. Não gostamos e não queremos ser os “coitadinhos” brasileiros.
Atualmente o Governo Federal reconhece apenas 1.048 municípios, de oito estados do Nordeste (excluindo o Maranhão), e mais 85 municípios mineiros como pertencentes ao semiárido brasileiro. Contudo há evidencias técnicas irrefutáveis de que ao menos 15 municípios, situados na parte Leste do Maranhão, estão incluídos nesse ecossistema, inclusive tendo vegetação que se caracteriza como caatinga.
No Bioma caatinga, e sob o ecossistema semiárido brasileiro, sobrevive uma população de 24 milhões de pessoas, incluindo as 839 mil do Leste Maranhense e que o Ministério da Integração Nacional insiste em não reconhecer como pertencente ao ecossistema. Talvez pela falta de interesse dos políticos maranhenses, incluindo os do poder executivo, os três senadores, os Deputados Federais e os Estaduais. Sem falar nos Prefeitos e vereadores dos municípios diretamente afetados que, em tese, deveriam ser os mais proativos na busca dessa conquista politica.
No semiárido brasileiro, conforme eu demonstrei na Tese que elaborei, defendi e que me levou à posição de Professor Titular nesta UFC, as populações estão submetidas a dois tipos de vulnerabilidades. As naturais, causadas pelo estresse hídrico, decorrente de chuvas regulares, ausência de bacias perenes de rios, subsolo que tem dificuldade de acumular águas, em decorrência do afloramento de rochas que dificulta a penetração das águas de chuvas para serem armazenadas sob a forma de lençol freático.
Mas esses não são os principais problemas do semiárido. Há locais no mundo, como na California (USA) e Israel, que tem níveis de precipitação muito piores e que são áreas que adotaram tecnologias que fazem da escassez hídrica a fonte de produção vegetal e de criação animais. Parece paradoxo ou algo surreal. Mas verdadeiro.
Os maiores problemas enfrentados pelas populações que sobrevivem no bioma caatinga e sob o ecossistema semiárido são, o que eu chamo no meu trabalho, de “vulnerabilidades induzidas”. Induzidas pelas politicas públicas inexistentes, equivocadas, ou superfaturadas. Vejam-se os casos da Ferrovia Transnordestina e da Transposição do Rio São Francisco. Apenas para ficar nos mais notórios.
Dentre as vulnerabilidades induzidas que mostro no meu trabalho, de forma quantificada usando procedimentos estatísticos sofisticados, está a deseducação. As maiores taxas de analfabetismo estão aqui entre nós. Também entre nós do semiárido esta a população maior de 15 anos que não concluiu ao menos o nível elementar (nove anos de escolaridade). Aqui sobrevive, proporcionalmente, o maior contingente de população brasileira sem acesso a ativos ambientais como saneamento adequado, água encanada e coleta sistemática com destino correto do lixo doméstico. Está no bioma caatinga, dentro do semiárido brasileiro, incluindo o Maranhão, o maior contingente de população que precisa da mão estendida das politicas assistencialistas. Fonte inesgotável de votos. Talvez por isso não haja interesse de mudança do panorama.
Bem vinda a campanha da Fraternidade de 2017. Quem sabe os políticos brasileiros, sem exceção, aproveitam esse período da Quaresma para refletirem sobre a provocação feita pela CNBB. Pensem mais nos brasileiros que lhes providenciaram o poder que tem, e menos nas suas próprias contas bancárias. Vale a pena sonhar!
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*Professor Titular e Coordenador do Laboratório do Semiárido, LabSar na Universidade Federal do Ceará.