José Lemos
No Livro “Mapa da Exclusão Social no Brasil: Radiografia de um País Assimetricamente Pobre”, na sua terceira edição lançada pela Editora do Banco do Nordeste no final do ano passado, ficou demonstrado que o nosso Gigante Adormecido que parece finalmente ter acordado, continua sendo muito desigual com os seus filhos. A assimetria a que me refiro no título do livro é justamente para deixar evidente que a exclusão social tem “publico preferencial”, tem sotaque, e que isso não acontece por acaso.
Ainda que não queiramos admitir, os nossos conterrâneos do Sul e Sudeste tem um certo ranço em relação ao nosso comportamento. Há quem acredite naquelas regiões que somos um peso que eles têm que carregar. Seriamos brasileiros de segunda classe. Estereótipo que é aguçado pelas figuras que são enviadas para nos representar no parlamento e até mesmo no posto máximo de condução dos destinos do Brasil. Recentemente tivemos três desses sujeitos no posto máximo da hierarquia brasileira, e nada temos a nos orgulhar do rastro que deixaram. Nas duas casas do Parlamento Federal, salvo as raras exceções, que não se renovam, são figuras que se adéquam às caricaturas do personagem impagável e ridículo do “prefeito” do Romance de Jorge Amado “O Bem Amado”, ou do personagem “Justo Veríssimo” criado por Chico Anysio.
Os leitores já detectaram nestes dois parágrafos iniciais que a assimetria a que estou me referindo na distribuição da pobreza no Brasil, penaliza fortemente as regiões Nordeste Norte, nesta ordem. A desigualdade nos afeta de tal forma que nos leva a ter uma espécie de complexo de inferioridade. Esse complexo induz à baixa auto-estima e afeta, para baixo, o nosso sentimento de “nordestinidade” ou de “nortista”. Não raro vemos pessoas já adultas destas duas regiões mais pobres, que se deslocam para o Sudeste ou o Sul, passam por lá apenas alguns meses e voltam tentando falar da forma que falam paulistas, cariocas, gaúchos… Fica evidente para quem ouve, como estão “forçando a barra” para “macaquear” a forma de falar daquelas pessoas que nasceram, cresceram e vivem naquele ambiente.
A Teoria da Dependência, desenvolvida na metade do século passado por um conjunto de pensadores, muito lúcidos, liderados pelo Economista argentino e Professor Raul Prebisch, tinha como objetivo detectar as possíveis causas que levavam aos desníveis nos padrões de desenvolvimento entre áreas prósperas e as atrasadas da América Latina. Os estudos liderados por ele na CEPAL mostraram que uma das causas mais relevantes, dentre outras, dos desníveis sociais e econômicos entre nações ou entre regiões, é a dependência cultural. Os nativos das áreas carentes tendem a copiar o estilo de vida daqueles que vivem em locais prósperos e, através desse instrumento sutil, acabam se tornando consumidores cativos dos bens e serviços vindos das regiões ricas. Isso explica, por exemplo, a hegemonia mundial da Coca-cola, do Mc Donald… No Nordeste e no Norte tentamos imitar o que fazem sulistas e “sudestinos”. A televisão é um catalisador fundamental nisso.
Contudo os atuais donos do poder propagandeiam diariamente que nestes dez anos tudo ficou diferente. Hoje, segundo eles, temos um Brasil menos desigual. A tão propalada redução das desigualdades não consegue ser captada pelos números exibidos pelo IBGE. Não há marqueteiro que consiga desmentir, por exemplo, que as participações dos PIB do Norte e do Nordeste no PIB brasileiro que em 2002 era de 18,6% e em 2010, oito anos depois do “Brasil maravilha”, a participação ficou no “empate técnico” de ridículos 18,8% . Nestas duas regiões vive mais da metade dos brasileiros. Os PIB somados do Sudeste e Sul equivalem a 72% do agregado brasileiro. Em 2002 participavam com 74%. A queda de 2% que foi observada na participação relativa das duas regiões mais ricas foi absorvida pelo Centro-Oeste, que foi a região que mais cresceu entre 2002 e 2010. Não há propaganda enfatizando que “país rico é país sem pobreza” (o que é óbvio), que consiga reverter o enorme fosso entre o PIB per capita do Nordeste de R$ 9.561,41 o do Norte de R$ 12.701,05 em 2010 se comparados ao do Sudeste de R$ 25.987,86 naquele ano.
As carências nos serviços essenciais penalizam os nordestinos e nortistas. Entre elas, as mais gritantes são as de educação e saúde. Hospitais sucateados, falta de estrutura para atendimento das pessoas que precisam do serviço público de saúde que deveria ser universal. Diante de tudo isso, o Governo sai com outra sacada genial, dentre tantas dos últimos dez anos. Importar médicos. Importar profissionais de um país onde o ensino de medicina está sucateado. Para assegurar que os médicos a serem importados tenham um mínimo de competência, a sugestão óbvia é que sejam submetidos a exames que comprovem as suas habilidades. Hipótese que o Ministro da Saúde descarta e justifica a sua lógica com esta candura: se os médicos forem submetidos aos exames, aqueles aprovados não irão querer trabalhar nas áreas carentes, leia-se, Nordeste e Norte. Donde se depreende que, para o Ministério da Saúde é melhor não fazer exames, para não ter o “perigo” de serem selecionados os competentes. Melhor importar os incompetentes para trabalhar nos rincões nordestinos e nortistas. Afinal nós estamos aqui para receber migalhas. Mesmo que elas representem o limite entre a vida e a morte. Brasileiro de segunda categoria é pra isso.
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*Artigo publicado em 6/07/2013