José Lemos
Que o Brasil é um país muito desigual em qualquer indicador social ou econômico que se queira aferir é um fato. O que talvez não se tenha atentado ainda é para a profundidade das distorções que nos atingem. Essa constatação não é de agora.
Em 1958 o então Presidente da Republica Juscelino Kubitscheck criou o Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN) e nomeou para coordená-lo um dos maiores economistas brasileiros (para o meu gosto), o paraibano Celso Furtado.
Celso Furtado egresso da Comissão Econômica para a America latina (CEPAL), que foi criada em 1948 como braço das Nações Unidas, para estudar e apresentar soluções para incremento do desenvolvimento da América Latina. A sede da entidade fica em Santiago no Chile e em julho 1984 passou a se chamar de Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, permanecendo a mesma sigla.
Os relatórios cepalinos mostravam algumas das causas do fosso que existia então entre os países da América Latina e aqueles países já desenvolvidos de então. Celso Furtado foi fortemente influenciado por aqueles fundamentos e liderou o grupo de trabalho criado pelo Presidente que tinha como principal objetivo estudar as causas já gritantes das desigualdades dos padrões de apropriação da renda e da riqueza entre as regiões brasileiras, já então bastante significativos.
Nós estamos a sessenta anos daquele diagnóstico do GTDN que mostrava os incríveis padrões desiguais de apropriação da renda e da riqueza entre o Nordeste e as regiões mais avançadas do País, e a situação se agravou. Isso porque em 1960 a população estimada para o Brasil era de 80 milhões, e atualmente estamos com aproximadamente 210 milhões de brasileiros. No Nordeste somos aproximadamente um terço da população brasileira. Esta seria aproximadamente a participação dos nordestinos na população brasileira em 1960.
Podemos mostrar como a situação brasileira é dramática em termos de distribuição da renda e da riqueza atualmente. O IBGE divulgou no final do ano passado as estimativas dos PIB per capita dos 5.570 municípios brasileiros. Naquele ano o PIB per capita do Brasil era de R$ 30.411,30 que equivalia a apenas 2,9 salários mínimos anualizados daquele ano (R$880,00 / mês). , Em termos de apropriação por estados daquele PIB per capita o Distrito Federal (R$ 79.099,77) e Maranhão (R$ 12264,28) estavam em posições extremas de maior e menor PIB per capita, respectivamente. Enquanto no PIB per capita do Distrito Federal cabiam 7,5 salários mínimos anualizados de 2016, no PIB per capita do Maranhão cabia apenas 1,2 salário mínimo. O PIB per capita do DF representava 2,6 do PIB per capita do Brasil, o do Maranhão representava apenas 40%.
Alem do Distrito Federal, somente mais sete (7) estados tem PIB per capita maior do que a média Brasileira. Em ordem decrescente em relação à participação relativa são esses os estados: São Paulo (1,5); Rio de Janeiro (1,3); Mato Grosso (1,2); santa Catarina (1,2); Rio Grande do Sul (1,2); Paraná (1,2); e Mato Grosso do Sul (1,1)
As desigualdades na apropriação da renda no Brasil ficam mais evidentes quando se observa o que aconteceu nos municípios brasileiros em 2016. Eu fiz esse exercício com os meus estudantes da Disciplina de Economia Regional que eu leciono no Curso de Ciências Econômicas desta UFC. Dos 5.570 municípios, em 1.839 o PIB per capita é de no máximo um salário mínimo. Em 1.746 o PIB per capita varia entre 1 e dois salários mínimos. Em 1.051 o PIB per capita varia de 2 a 3 salários mínimos. Isso quer dizer que em 83% dos municípios brasileiros o PIB per capita é de no máximo três (3) salários mínimos.
Caso queiramos desmembrar a tragédia por nível regional, voltaremos ao diagnóstico do Celso Furtado feito há sessenta anos com uma população bem menor. Com efeito, dos 1.839 municípios cujos PIB per capita são de no máximo um salário mínimo, 1.380 estão no Nordeste, 289 no Sudeste, 156 no Norte, 13 no Centro-oeste e apenas um (1) no Sul do Brasil.
No nosso Maranhão são 188 dos seus 217 municípios nesta condição de ter PIB per capita de no máximo 1 salário mínimo. O Maranhão que, como falei neste texto, possui o menor PIB per capita do Brasil, tem 196 dos seus 217 municípios com PIB per capita menor do que a média do estado.
Em alguns dos meus trabalhos, inclusive no meu livro já na terceira edição eu avalio quais seriam as prováveis causas desse apartheid econômico que se soma à segregação social do Brasil, estando os estados do Nordeste em piores situações. Isso nos faz depender das políticas assistencialistas, muito mais do que em qualquer outro lugar do Brasil. E essas políticas não libertam. Pelo contrário fomentam dependência, não formam cidadãos. Ao contrário, geram brasileiros que apenas são lembrados quando tem o seu precioso voto para depositar em troca de algumas migalhas. Era assim quando Celso Furtado liderou o GTDN é pior agora 60 anos depois. Até quando?
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Texto para o JP so dia 23/03/2019