José Lemos*
A condenação do Lula em primeira instância tem uma forte componente didática ao sinalizar que, finalmente parece que todos terão que responder pelos seus atos, independendo da posição na escala social, ou de ter estado no maior posto da República.
Poucos brasileiros foram tão bafejados como Lula, por um conjunto de situações que os possibilitassem a construção de uma biografia que o fizesse passar para a história como um dos maiores brasileiros, um estadista irretocável.
Pode-se falar tudo dele, menos que tenha um enorme carisma, uma gigantesca capacidade de aglutinar em seu entorno multidões capazes de lhes aprovar quaisquer deslizes. Manifestações homofóbicas, como fez tantas vezes, sendo a mais notória a que explicitou contra os gaúchos de Pelotas, jamais mereceram qualquer repúdio dos homossexuais. Atitudes machistas, tão execradas pelas feministas que o cercam, sempre foram, e são, toleradas desde que proferidas por ele. E são muitas no seu repertório. A maior delas talvez seja as viagens levando de forma não oficial, nos voos oficiais, a Secretaria amiga. Palavreado chulo que os seus admiradores e defensores acharam o fim do mundo no telefonema do Aécio Neves com o “açougueiro” que fez fortuna á sombra do seu governo, são acatadas como normais saindo da boca do homem que idolatram.
Equívocos no relato, ou na interpretação de fatos históricos, erros grassos ao tentar adentrar em temas elaborados de física, química ou biologia, sempre foram motivações para aplausos de uma claque embevecida que tinha naquela filósofa da USP a sua estrela mais intelectualizada (vá lá que seja). Ela que execrou a classe média, sob os aplausos do seu ídolo, diante de uma plateia também anestesiada, disse certa feita que “quando Lula fala, ilumina o mundo…” Precisa dizer mais alguma coisa?
Nas Universidades brasileiras ele encontrou um dos seus maiores ancoradouros que permanecem ainda ativos, embora em menor proporção. Eu me incluo entre aqueles que se deixaram embevecer, envenenar, enredar pelo discurso daquele homem que julguei carismático e que muito fiz para vê-lo Presidente da República.
Como antes, hoje me orgulho de militar na companhia de Hélio Bicudo e Cristovam Buarque, ao percebermos que aquele homem sempre foi uma terrível e dolorosa farsa. Um terrível engodo. Um grande ilusionista. Um homem que não enxerga nada além dos seus próprios interesses. Um egocêntrico. Para resumir.
Na oposição, todos que não comungavam do seu ideário, e o do seu partido, eram tidos como direitistas e reacionários. Progressista era ser militante da causa deles que, hoje sabemos, era chegar ao poder de qualquer forma. Naqueles bons tempos de “oposição a tudo isso que ali estava”, Temer, Gedel, Sarnaey e familia, Jucá, Lobao, Collor, Maluf, Jader, dentre tantos outros, eram inimigos a serem eliminados (não eram apenas adversários políticos como sugere o bom embate de ideias) de qualquer forma. E valia tudo. Literalmente. Inclusive o uso de adjetivos impublicáveis como os que foram desferidos contra o Presidente da Chamada Nova República.
No poder ele, Lula, se encarregou de trazer todo esse povo para perto. Um virou Vice Presidente. Outros viraram Ministros, conselheiros, amigos intocáveis. Tudo, era válido, desde que todos permanecessem coadjuvantes. Nada de protagonismos que pudessem atrapalhar o plano de poder indefinido dele e do seu partido.
O discurso para as multidões, dizendo que defendia os interesses dos pobres, era contrabalançado nos bastidores, e nas profundezas de um pré-sal, com os empresários mais ricos do Brasil que provinham para si e familiares vida nababesca. Ao menos esta é uma das acusações que o Juiz Moro usou para lhe decretar nove anos e meio de prisão.
Agora querem nos fazer crer que todos os males em que estamos metidos são causados apenas por Temer. Sim foram causados por ele também. Mas ele, Temer, sempre esteve na antessala do poder e com Lula. Como líder, ou como Presidente do maior partido que o apoiou. Depois, por desígnio de Lula, se transformou em Vice Presidente da República. Por esta via chegou à Presidência. Quem são os responsáveis por isso? Lula, Dilma, seu partido, os partidos que faziam parte da coalizão dita de esquerda que domina e inferniza o país há 14 anos.
Agora querem tirar Temer. Conseguindo, em seguida irão apear Rodrigo Maia, com os argumentos de sempre. Que eles são os únicos capazes de tirar o país da crise. Crise que eles, juntamente com os seus aliados de todas as matizes ideológicas, criaram.
Temer junto com Lula foi uma das razões do começo da minha descrença nas reais intenções de Lula e do seu partido. Não obstante isso, eu não estou convencido de que tirá-lo do poder seria o “menos ruim” para o país. Isso agravaria a crise politica, com impactos na economia. Caldo de cultura propicio para o discurso populista de “salvadores da pátria”. Lula e Bolsonaro seriam os maiores beneficiados.
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*Professor Titular, Coordenador do Laboratório do Semiárido na Universidade Federal do Ceará.