José Lemos
Há exatos quatrocentos anos os portugueses recém-chegados à vastidão verde da Amazônia ergueram uma fortaleza no Povoado então chamado de “Feliz Lusitânia” (por razões óbvias), às margens da Baía de Guajará. Aquele povoado se transformaria mais tarde na bela cidade de Belém, capital do Pará. Os invasores portugueses, com certeza, devem ter ficado impressionados com a imensidão das riquezas naturais, com a grandeza dos rios e logo trataram de se juntar à população nativa de indígenas. Com a chegada mais tarde dos negros, a mistura de sangues deu origem a uma das mais autenticas e belas populações que temos neste Brasilsão tão miscigenado.
Estudante do Liceu Maranhense, eu descobri que a então Escola de Agronomia da Amazônia (EAA) hoje Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA) também realizava em São Luís o seu vestibular com os maranhenses interessados. Para tanto enviava professores para realizar o certame na nossa cidade. Fiquei sabendo então que os maranhenses que ousavam ser aprovados naquele vestibular tinham garantidas bolsas de estudos que cobriam todo o curso, incluindo passagens de ida e volta para Belém, desde que mantivessem bom desempenho. E o valor da bolsa era significativo. Um salário mínimo. Para se ter uma ideia daquela magnitude, os meus bolsistas hoje recebem R$400,00 por apenas dez meses, pagos pela UFC na “Pátria Educadora”.
Aprovado no único vestibular que fiz na vida, Belém começou a fazer parte da minha história. Foi para lá que fiz a minha primeira viagem de avião. No dia do meu aniversário, num 25 de fevereiro ainda adolescente, eu desembarquei nessa cidade com a cabeça raspada, mas protegida por uma boina azul clara. Um calouro empolgado.
Começava ali em mim uma relação infinda de amor por Belém. No dia seguinte fui conhecer a Escola. Para chegar lá passamos, eu e o João de Deus, meu colega também calouro maranhense, pelo majestoso prédio do IPEAN (Instituto de Pesquisas Agropecuárias do Norte). Pegamos carona com o Professor Moreira que nos viu perambulando à espera de transporte, e reconheceu que éramos calouros, devido à cabeça raspada e à boina azul que caracterizava os aprovados em Agronomia.
Lá fomos nós. Os meus olhos brilhavam vendo aqueles cultivos de dendê, pimenta do reino, seringueira, guaraná. Tudo nos era apresentado pelo Professor Moreira. Passamos pela Estação Meteorológica, que eu sequer sabia para que servia, mas imaginei que se estava ali era porque fazia parte da Escola e eu iria conhece-la.
Findamos aquela primeira viagem de sonhos em frente ao prédio majestoso da EAA. Aquela arquitetura neoclássica com faixada deslumbrante, pintado de cinza, com janelas em estilo colonial, tendo venezianas de vidro e detalhes verdes nas extremidades… Tudo era colírio para os olhos daquele garoto muito entusiasmado.
Em frente à Escola havia um lago onde eram criadas tilápias. Ouvíamos aquilo tudo pelo relato do Professor Moreira. Eu nada entendia, mas dava para perceber que o conjunto era muito bonito e demasiado empolgante para aquele garoto deslumbrado que jamais havia saído das rédeas dos pais. E eu iria passar quatro anos naquele paraíso!
Eu morava em republica com outros 21 colegas maranhenses. A nossa casa ficava no Bairro de Canudos e depois mudamos para a Rua Dr. Assis, Nº100, na Cidade Velha. Alugávamos a casa com o aval de um professor da Escola. Escola que nos fornecia beliches, colchões, armários de ferro, geladeira usada, fogão, uma mesa enorme para aquela multidão de rapazes fazer as refeições bastante raquíticas. Mas saborosas.
Em Belém eu tive a minha primeira namorada. Uma moça bonita, para quem tive de pedir “entrada” ao seu Pai, “Seu” Mozar. Um “galegão” avantajado que me deu as coordenadas: não poderia chegar antes das oito nem sair depois das dez da noite. E a “Dona” Cibely, a mãe da garota, ficaria nos monitorando, marcando colado.
Descobri os encantos da cidade. A Praça da República, o Arsenal de Marinha, a “Maloca”, o Mercado Ver-o-Peso, as Docas, as construções da era de prosperidade devidas, sobretudo, à produção da borracha. Conheci o belo Teatro da Paz. Fui às matinés do Cinema Olympia, tal como cantava a Gal Costa na época. Conheci o Bosque Rodrigues Alves, o Museu Emilio Goeldi… A cidade ia se descortinando para mim. E eu me apaixonando por ela, à medida que o tempo passava e eu mais a conhecia.
Quando recebi o primeiro pagamento da bolsa, com três meses de atraso, mas acumulado, concretizei os meus sonhos de consumo de então: comprei uma calça Lee, um relógio Seiko, vindos da Zona Franca de Manaus, e um rádio de pilhas Philco em que eu ouvia as programações das Rádios Marajoara, Guajará e Club de Belém.
Quando estávamos “endinheirados”, depois do recebimento das bolsas, os locais “obrigatórios” de visitas eram as boates “Condor” e “Shangrilá”. Ali descarregávamos as tensões de um mês de estudos diuturnos. Havia ainda as tertúlias no Restaurante da Escola e nos bairros de Belém, onde éramos requisitados por sermos “Bons Partidos”.
Belém está na minha vida. Definitivamente. Ali eu continuei a pavimentação e consolidei os meus caminhos. Parabéns Belém! Continue bela e aprazível. Sou seu fã.
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*Publicado em O Imparcial do dia 16/01/2015.