José Lemos*
A vida está sempre nos aprontando ciladas e armadilhas. Mesmo quando se tenta levá-la de forma espartana, ou “careta”, como diria um jovem mais afoito, em que tentamos nos manter longe de vícios como o álcool, as drogas e o fumo que degradam o organismo e a personalidade. Num misto de sabedoria e de crueldade o tempo pode nos pregar sobressaltos assustadores. Mas também nos traz sabedoria para escolher qual o rumo que daremos ao nosso próprio destino.
Afinal o destino é algo pré-determinado ou nós mesmos o construímos, com atitudes, forma de vida, comportamento diante dos demais seres vivos, ai incluindo-se os humanos, mas também os animais e as espécies vegetais, que são as fontes primárias da vida? O que afinal é o destino?
Com a devida permissão dos leitores desta coluna aos sábados, eu gostaria de hoje abordar um tema diferente do usual, embora já tenha me aventurado algumas vezes, sem muito talento. Corro o risco de novamente não ser original. Mas arriscarei.
Começo recorrendo aos versos fortes de Billy Blanco, um paraense que optou por morar no Rio de Janeiro, que escreveu lá pelos idos dos anos sessenta uma preciosidade chamada “A Banca do Distinto”, que virou um belíssimo samba. A primeira vez que ouvi essa música foi na voz de Elza Soares. Como criança achava a melodia gostosa, mas não atentava à profundidade da sua mensagem que era assim:
“Não fala com pobre, não dá mão a preto, não carrega embrulho./ Pra que tanta pose doutor?/ Pra que esse orgulho? A bruxa que é cega, esbarra na gente, a vida estanca / O infarto te pega doutor, acaba essa banca. / A vaidade é assim, põe o tonto no alto, retira a escada/ Fica por perto esperando sentada/ Mais cedo ou mais tarde ele acaba no chão./ Mais alto o coqueiro, maior é o tombo do tonto/ Afinal, todo mundo é igual, quando o tombo termina/ Com terra por cima e na horizontal….”
Decorridos tantos anos, faço uma nova “leitura” daqueles versos, agora já impregnado com os acontecimentos que me trouxeram à maturidade e uma reflexão acerca da fragilidade da nossa breve passagem por este planeta, e da inutilidade de se viver de forma arrogante. Fico imaginando porque existem pessoas que fazem tanto e de tudo para conquistar poder, dinheiro, bens materiais.
O que passa pela cabeça de pessoas que se conduzem na vida inteira arquitetando formas de acumular riquezas, construir fortunas, ter pertences de diferentes naturezas? No capitalismo há aqueles que desenvolvem talento (ou seria destino?) para gerar riquezas a partir de iniciativas bem sucedidas, mas que requerem perseverança e, quase sempre, um empurrão vindo de fora, e doses não desprezíveis de esperteza.
Mas há outros que, sem esta habilidade empreendedora, se aproveitam de incautos, em geral muito carentes, para, com outros “talentos” acumularem a riqueza material de que precisam para se tornarem poderosos e influentes. Estes seres são muito mais perigosos. Para eles não há limites, não há fronteiras, não há obstáculos que não possam ser removíveis. Usam da calunia, da difamação para destruir todos aqueles que se aventurarem interpor-se no seu caminho insano da busca ao enriquecimento à custa do erário público. Àqueles em quem vislumbram possibilidade de bajulação para tirar proveito temporário, não hesitarão em fazê-lo. Mudam de opinião ao sabor das conveniências.
O importante é estar sempre farejando os cofres públicos, dele não se distanciando, porque neles está a fonte única da sua capacidade de comprar castelos, mansões, ilhas, carros de luxo, e até mausoléus de faraós para alimentar a vaidade que têm em vida de acreditarem que ao morrerem serão reverenciados. Tentam e conseguem (a historia recente do Brasil mostra isso) influenciar qualquer um que momentaneamente detenha algum tipo de poder que possa viabilizar a sua própria sanha insaciável de riqueza material. Fazem do público uma extensão da sala, dos quartos, da cozinha, dos banheiros e do quintal das suas casas. Há interface entre o público e o privado que é derivativo daquele e apenas dele. Longe, são impotentes. São incapazes.
Ancorado nos versos de Billy Blanco, pode-se dizer que não adianta a arrogância, a vaidade, a busca incessante e insana do ter e do poder. Bem melhor é construir a vida com bons exemplos, com altivez, com ética, lisura e dignidade. O belo é apreciar o ouro do nascer e do por do sol, a prata da lua cheia, ouvir o canto de um pássaro livre, contemplar uma flor. Melhor do que construir fortunas é encontrar tempo para poder pegar nas mãos do filho e levá-lo para a escola, dar-lhe exemplos de honradez. Estes deveriam ser os grandes legados a se deixar, não as posses e os teres, que são voláteis e efêmeros. Desfazem-se como gelo sob o calor, se não foram construídos com trabalho árduo e com honestidade, mas através do esbulho de terceiros. Fomentam discórdias e brigas fratricidas entre herdeiros. Os atalhos construídos para a conquista de riqueza material, mais cedo ou mais tarde acabam sendo descobertos, e podem se constituir em grande armadilha. Espertezas e mentiras virão à tona em algum momento. A vida (ou o destino?) pode aprontar descaminhos e colocar no intercurso do atalho algo que seria uma adaptação para o século XXI à letra do nosso poeta: “Um câncer te pega Doutô / E acaba essa banca”.
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*Professor Associado na Universidade Federal do Ceará. Artigo publicado no dia 19/09/2009, num momento muito difícil da minha vida que eu, felizmente superei.