José Lemos
Amar é um verbo perfeitamente regular na conjugação de todos os nossos tempos de vida. Quer seja conjugado no presente, no pretérito ou no futuro. Amei, amo e amarei. Ah se cada um de nós, que habitamos este planeta, nos esmerasse na gramatica da vida desta forma. Fazer o esforço de trazer como sentimento para moldar o nosso comportamento diante de um mundo tão conturbado como este em que vivemos. Que eu ame, que eu te ame, que nós nos amemos! Todos.
Amor é o substantivo que deriva, ou é derivado, do verbo, que precisa ser transitivo. Não apenas no sentido gramatical, como de fato é, mas na perspectiva de ser transmitido, ou transitado, para pessoas que temos em nosso entorno. Não apenas elas. Precisamos amar também os animais, as plantas, o rio que brincamos quando éramos crianças. Amamos o nascer do dia. Os raios do sol, o canto dos pássaros livres. O cheiro da chuva sobre a terra… A natureza em fim!
Os nossos primeiros momentos são vividos sendo amados por nossos pais, que nos geraram conjugando o verbo amar no gerúndio, na perspectiva de que estavam concebendo alguém a quem dedicariam amor sem presente ou futuro condicionais. Eles, os nossos pais, estão ao nosso lado em qualquer dificuldade. Desde criança, ancoram-se no grande amor que sentem por nós para tentar nos encaminhar na vida com dignidade, sem os percalços que eles mesmos experimentaram nas suas trajetórias.
Ao longo das nossas vidas experimentamos diferentes tipos de amores. Há amores de pais para os filhos, e dos filhos em relação aos pais. Em geral os pais amam mais os filhos do que estes o fazem em relação àqueles que lhe geraram e lhe proveram a vida. Ainda crianças, quando estamos usando fraldas, os pais, sobretudo as mães, com o seu amor infindo agem semprepara nos deixar limpos, sequinhos. Dificilmente uma mãe que exercite apenas a função da maternidade terceiriza aquela ação de limpar o seu filho urinado ou sujo dos dejetos naturais de todos nós em todas as fases da vida. Limpá-lo é uma ação transitada de amar.
Este, contudo, não é o comportamento dos filhos em relação aos pais idosos. Em geral, quando os pais já não conseguem mais ter autonomia, dependem da ajuda dos filhos, eles, os filhos, não estão ali dispostos a ajudarem. Em geral, terceirizam a atividade. Sempre alegam que tem tarefas importantes a resolver. Estão atarefados demais para cuidar daqueles que lhes dedicaram amor uma vida inteira. Entregam os seus pais idosos a “cuidadores” que muitas vezes são algozes daqueles entes que deveriam ser mais queridos. Não raro se sabe de histórias de maltrato de idosos por essas pessoas que são contratadas pelos filhos para cuidarem dos pais que já não tem mais condição de resolver sozinhos as suas necessidades de toda ordem.
Há situações muito mais degradantes que elucidam o desamor dos filhos aos pais. Aqueles filhos que “depositam” os pais idosos nessas casas de recolhimento de pessoas em idade avançada e lá lhes abandonam. Eu tive a oportunidade de trabalhar como docente convidado no curso de pós-graduaçãoem Gerontologia na Universidade Estadual do Ceará e, nesta condição, orientei cinco trabalhos de conclusão de curso. Em dois deles as minhas orientadas (uma Assistente Social e uma formada em Pedagogia) fizeram as pesquisas em uma casa que abriga idosos em Fortaleza. Fiz questão de ir com elas para participar das entrevistas com aqueles seres humanos em estado de abandono. Ouvimos histórias terríveis. Mas mesmo naquela condição, os idosos sempre encontravam formas de justificarem o desamor dos seus filhos. Poucos os condenavam. Amavam-nos em demasia para falar algo que desabonasse um comportamento tão cruel. Havia casos em que os filhos se apropriaram do cartão da conta bancaria do pai ou da mãe, da sua senha, e sacavam o dinheiro da aposentadoria ou da pensão e nunca apareciam. Inclusive fornecendo endereços errados para que os funcionários do abrigo não os localizassem.
Mas o verbo amar também é conjugado por amantes. Há amores tórridos que passam como labaredas. São efêmeros. Mas existem aqueles que, sendo tórridos ou não,se impregnam entre os amantes para os deixarem sempre envolvidos. Em qualquer caso, nunca se sabe como e quando tudo começa. Um encantamento por alguma razão. Observa-se e aprecia-se na pessoa qualidades que nos chamam atenção. Quase sempre tudo começa com uma atração física. Troca de olhares. Diálogos que no começo são amenos e que vão se tornando agudos na medida em que o coração pulsa mais forte e o cérebro passa a contar menos do que as manifestações do coração, do desejo, e as estruturas sexuais se potencializam. Bom demais!
Amar é sim um verbo transitivo. Não tem como ser de outra forma. Somente faz sentido amar se houver algo ou alguém definido, ou imaginário. Sim, imaginário, como meta. Não há duvida que se as pessoas se dedicassem a conjugar este verbo em todos os seus tempos (do verbo e das pessoas) a vida neste planeta seria bem mais interessante.
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*Texto publicado em 15/03/2016.