José Lemos
A Agricultura talvez seja a mais antiga ciência e, certamente, a mais nobre das artes que compõem o acervo da nossa capacidade inventiva. A alimentação, como sabemos, é uma das duas funções vitais de qualquer ser vivo. A outra é a perpetuação da espécie que não se consuma em organismo faminto.
No principio os seres humanos eram apenas coletores-caçadores. Nessa condição, precisavam estar constantemente mudando de local em busca da subsistência. As proles tinham que ser pequenas. Os filhos não poderiam nascer em intervalos inferiores a quatro ou cinco anos. As mães não poderiam carregar no colo mais de um filho, além dos pertences, que precisavam ser poucos. Apenas quando as crianças cresciam o suficiente para caminharem com as próprias pernas acompanhando-a, ela poderia pensar em ter mais filhos. Como ainda não havia conhecimento de procedimentos contraceptivos, a não procriação somente poderia advir da abstinência sexual por longos quatro anos. Um martírio para os casais.
Com a domesticação de plantas e animais, leia-se, com o surgimento da Agricultura, há aproximadamente mais de dez mil anos, foi possível acontecer a aglomeração de pessoas em locais definidos. Trazer para perto de si a produção dos alimentos foi um grande achado dos seres humanos. Os agricultores poderiam ter tantos filhos quantos fossem possíveis, porque não havia a necessidade de deslocamentos contínuos em busca da sobrevivência. Isso não era pouco. Gerava-se o conforto de ter a comida por perto. O nível de bem estar daqueles povos cultivadores já era bastante diferenciado, para melhor, relativamente ao dos seus ancestrais coletores-caçadores.
Outra consequência do surgimento da agricultura foi a possibilidade dos agricultores armazenarem produtos e, assim, poderem garantir comida, independentemente da sazonalidade característica da produção biológica. A tarefa de armazenar alimentos requereria a permanência por perto dos seus produtores, o que seria impossível numa população nômade.
A possibilidade de produzir e estocar comida poderia alimentar grandes aglomerados humanos. Agricultores ou não. Isso libertava segmentos populacionais de não agricultores para se dedicarem a outras tarefas, à criação de novas artes e de novas invenções. Abriram-se as portas para os avanços científicos e tecnológicos.
De acordo com evidencias confiáveis a produção de alimentos (domesticação de plantas e de animais) surgiu inicialmente em cinco regiões. Primeiro no Sudoeste da Ásia, entrando em parte da Europa, num seguimento conhecido como Eurásia. Um enorme eixo com direção Leste-Oeste, designado de “Crescente Fértil”, por incluir uma longa faixa de terras propicias para os cultivos, situadas numa mesma latitude, onde não aconteciam diferenças substanciais de clima, incluindo regimes pluviométricos e duração dos dias. Não poderia existir região mais propicia para o começo de uma atividade que teria o poder de revolucionar o mundo. Isto aconteceu aproximadamente no ano 8.500 antes da Era Cristã (a.C). As primeiras lavouras domesticadas foram trigo, ervilha e azeitona. Os primeiros animais domesticados foram cabras e ovelhas.
Na China foram domesticados o arroz e o milho miúdo, o porco e o bicho-da-seda, aproximadamente em 7.500 a.C. Na região que inclui parte da América do Sul e América do Norte, cujo eixo principal tem direção Norte-Sul (Mesoamerica), foram domesticados, aproximadamente em 3.500 a.C, o milho (que evoluiu para a forma que hoje conhecemos), o feijão e a abóbora. Uma área menor do que a Eurásia, em que os solos são bastante diferentes, inclusive em fertilidade, latitudes distintas e, por isso, climas diferenciados, assim como tamanho dos dias. Nessa região também foi domesticado o peru, provavelmente naqueles anos.
Nos Andes e na Amazônia, ainda por volta de 3.500 a.C., foram cultivadas, pela primeira vez, banana e mandioca. Ali também, por aquela época, foi domesticada a lhama (animal da família dos cerdos que incluem os veados). No Leste dos Estados Unidos, em torno de 2.500 a.C foram domesticados o sorgo, e arroz africano.
O surgimento da agricultura foi decisivo para o avanço cientifico e tecnológico em todas as demais áreas. Apenas com o seu aparecimento foi possível aos seres humanos acumularem bens que eram de difícil, ou impossível, transporte numa sociedade nômade. A agricultura viabilizou o despontar de estruturas sociais complexas, que suscitaram o aparecimento de estruturas de poder. O mundo não teria avançado da forma que presentemente observamos se alguns seres humanos não tivessem tido a curiosidade de experimentarem trazer para perto de si a produção de comida há dez mil anos. Não tenho qualquer dúvida em reconhecer que a Agricultura é a mais nobre e a mais útil das ciências. Talvez não seja a arte mais antiga, mas, seguramente, será o caminho por onde começou a trajetória de avanços científicos da nossa aventura na terra. Para o bem e para o mal.
Paradoxalmente a agricultura também nos propiciou exercitar, com mais desenvoltura, os nossos instintos mais perversos. Nós, os humanos, costumamos ser arrogantes e cruéis na nossa relação com a natureza e com os nossos irmãos. A agricultura também criou as condições para a sustentação de guerras, pois somente por causa dela, foi possível a produção de alimentos suficientes para sustentar grandes exércitos em combate. Um dos lados sombrios da nossa passagem neste planeta.
Contudo, os maiores efeitos das atividades agrícolas são na direção da geração de bem estar econômico e social de todos os povos deste planeta, além de ser a âncora definitiva na qual todos os outros ramos do conhecimento se apoiaram para deslanchar. Pena que isso não é reconhecido e, muitas vezes, seja negligenciado, por uma gama de sujeitos sociais que inclui tanto as pessoas comuns, que se acostumaram ao conforto de apanharem os alimentos já no ponto de serem preparados nas gondolas dos supermercados e, sobretudo, por quem toma decisão de politicas públicas. Isto porque, no geral, os agricultores são sujeitos que não tem voz em tribunas e exercitam a sua dura faina diária de forma anônima e atomizada neste mundão de meu Deus.
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