José Lemos*
Neste 28 de julho foi comemorado o dia do Agricultor. Nos últimos anos, de forma ininterrupta, eu escrevo um texto em homenagem a esses sujeitos anônimos nesta minha coluna, para ressaltar a importância deles nas nossas vidas.
Por mais de uma vez eu fiz questão de registrar aqui, e em outros espaços para onde eu escrevo, que a Agricultura (com “A” maiúsculo) é a pioneira das ciências e das artes. A mais importante das invenções da humanidade. Sem agricultura, que é a arte ou a ciência de produzir bens agrícolas, domando a natureza, nada dos avanços que temos hoje seria possível. Sim, porque em vez de despendermos tempo estudando e aprendendo outras artes, ofícios ou ciências, tínhamos que alocar o nosso tempo produzindo a nossa própria comida. Com a Agricultura, poucas pessoas, por opção, fazem isso para a grande maioria de todos nós. E nos liberam para darmos vazão aos nossos talentos, despreocupados de como produzir o próprio alimento. Isto não é pouca coisa.
É tudo tão trivial, que o ilógico seria nós chegarmos num supermercado, num mercado. procurássemos e não encontrássemos o alimento que buscamos. Fresquinho, no tamanho, no peso, na qualidade, acondicionado na quantidade que desejamos.
Isso é tão óbvio que há muita gente boa acreditando que aquela comida foi produzida ali: Na prateleira do supermercado, ou na barraca do feirante. Não, não pensem que eu estou exagerando. Há gente que talvez não explicite este sentimento, mas não tem a menor ideia de como é produzida uma penca de banana, uma laranja, um quilograma de arroz. Não sabe como é difícil colher um limão de um limoeiro carregado e repleto de espinhos. Por isso acha caro pagar R$4,00 por um quilograma desta fruta.
Para que tenhamos o conforto de chegar nesses lugares e encontrar tudo do jeito que queremos e, se tivermos posse, adquirir, existe uma quantidade enorme de anônimos. Marias, Josés, Raimundas, Pedros, Franciscas, … que, numa lide pesada, os produziram para chegar até as nossas mesas. Sujeitos que trabalham de primeiro de janeiro a 31 de dezembro de todos os anos, sem direito a descansos em feriados, domingos, dias santos. Agricultura não dá trégua para quem opta a viver dela.
Uma oficina de consertar carros, uma fábrica de roupas, de qualquer porte, como essas que existem aos montes aqui em Fortaleza, uma carpintaria, uma oficina de ferreiros… Em qualquer lugar desses os trabalhadores, ´proprietários, ou não, desenvolvem a sua faina diária protegidos do sol e da chuva. Tem direito às folgas semanais. Se o trabalhador tiver legalizado o seu contrato com o empregador, terá também direito às férias remuneradas. Sendo mulher, quando estiver com filhos recém-nascidos terá direito à licença maternidade. Desempregados, terão o seguro desemprego.
Os agricultores, ao contrário, trabalham sob sol, chuvas, frio. As mulheres agricultoras não tem direito a licença maternidade. Não há hora definida para o almoço. O dia de trabalho começa com o amanhecer e se acaba com o por do sol. Em todas as etapas de produção experimentam riscos e incertezas de toda ordem. As idades aparentes desses sujeitos são sempre maiores do que as idades biológicas.
As incertezas e os riscos iniciam quando o agricultor decide o momento de preparar a área, o tamanho, e os produtos a cultivar. Lançadas as sementes ao solo, fica esperando chover em quantidade para fazê-las brotarem. Brotadas as sementes, fica na expectativa de clima bom para que as lavouras se desenvolvam bem na fase vegetativa. Nessa fase podem aparecer pragas, doenças… Terá que ficar em vigília permanente para contornar esses problemas e resolvê-los da melhor forma possível.
Chega o tão sonhado momento da colheita. Caso tudo tenha ocorrido bem, a sua boa colheita será compartilhada com a de outros agricultores que tiveram as mesmas dificuldades e produziram o mesmo produto. Como a produção ocorrerá toda numa mesma época do ano, todos terão o produto em quantidade além daquela que as pessoas estão dispostas a adquirir naquele período. Ai os preços do seu produto despencam. Como o seu produto é perecível, diferentemente da peça de vestuário que pode ser armazenada indefinidamente, o seu produto tem prazo de validade. Então terá que vendê-lo por preços que, quase sempre, não são aqueles que desejaria. Detalhe, o preço do seu produto não é determinado por ele. Vem designado de fora.
E se o clima não ajudar, se a chuva não cair nas diferentes fases do desenvolvimento da cultura, se as pragas e doenças acontecerem… Haverá frustração de safra. O agricultor não terá renda e terá que depositar as suas esperanças para o próximo ano. Mas só “deixará o seu cariri no último pau de arara”.
Esses são os verdadeiros Heróis a quem deveremos reverenciar. Sempre! Devemos a eles o conforto de podermos escolher outras profissões. Mesmo que nem lhe valorizemos o trabalho que tem, sabemos que podemos ir, em qualquer local que vende comida, e comprar o que desejamos, desde que tenhamos posse. E não nos interessa saber como é que esse “milagre” aconteceu. Pensemos nisso! E respeitemos mais essas mulheres e homens anônimos que são os nossos anjos da guarda. Lembremos que alimentação é uma das duas funções vitais de todo ser vivo. Sem ela, nada acontecerá.
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*Professor Titular, Coordenador do Laboratório do Semiárido na Universidade Federal do Ceará. Escreve aos sábados para O Imparcial desde abril de 2004.Artigo publicado no dia 04/08/2017.