José Lemos*
Nós, seres humanos, nos jactamos, até de forma arrogante e prepotente de sermos os seres mais inteligentes e esclarecidos do planeta. Orgulhamos-nos da nossa capacidade inventiva que nos propicia um potencial criativo. Não conseguimos vislumbrar nos demais seres vivos, outro com a racionalidade que julgamos ter.
De fato, a humanidade experimentou saltos inventivos fantásticos ao longo da sua história. Do ser primitivo que vivia da coleta daquilo que a natureza propicia, com a sua generosidade, que até bem pouco tempo atrás, “racionalmente” achávamos ser infinita, evoluímos para os seres que domesticaram as espécies vegetais e animais que nos fornecem alimentação, agasalhos, roupas, cobertores, proteção…
Na monumental obra escrita por Jared Diamond “Armas, Germes e Aço”, na sua terceira parte e no Capítulo 11 é feita uma excelente descrição da evolução do homem coletor até a sua transformação em homem agricultor. O desenvolvimento da agricultura, o cultivo de alimentos, a domesticação de animais e plantas, propiciou ao ser humano a possibilidade, por exemplo, de construir famílias, ter momentos de reflexões com filhos. Ter amigos. Possuir um espaço físico para morar. Isso não era possível na condição de coletor, tendo em vistas as necessidades constantes de deslocamentos que seriam bem mais difíceis se tivessem que carrear proles e tralhas.
A perspectiva Malthusiana, uma das inspiradoras da magistral obra de Darwin, de que a humanidade não conseguiria produzir alimentos no ritmo do crescimento da população foi superada há muito. O ser humano conseguiu avanços científicos que se transformaram em técnicas viabilizadoras da produção de alimentos em quantidade que, se fosse disponibilizada de forma equitativa para toda a humanidade, e todos comessem o que lhe estava disponível, todos nós teríamos problemas com a balança.
No entanto, neste momento, em que a população do globo chegou a sete bilhões, mais de um bilhão de terráqueos passa fome. Um desses paradoxos que coloca em xeque as nossas racionalidade e inteligência. A pergunta que surge de imediato é: Se existe comida em quantidade suficiente e até extrapolando as necessidades humanas, por que há famintos no mundo?
A relação dos seres humanos com os demais seres vivos também não condiz com a sua autoproclamada condição de “racional”. Nós, seres humanos, nos divertimos em “lazeres” como touradas, farras do boi, caça ao pombo, rodeio, mantendo pássaros presos em gaiolas. Não temos qualquer sentimento de arrependimento ao derrubar, em segundos, uma árvore que a natureza levou anos para esculpir. Isentamo-nos de escrúpulos ao caçar animais marinhos apenas para tirar-lhes partes do corpo e devolvê-los ao mar sangrando, debatendo-se antes de morrer, sem qualquer chance.
Jared Diamond também mostra, daí o titulo do seu livro, que o grande exercício, ou o “maior barato” do ser humano, é encontrar formas de destruir, com mais facilidade, aqueles que identificar como concorrentes. “Armas, germes e aços” é o título síntese que o autor, magistralmente, encontrou para descrever a saga da humanidade.
Quando não conseguem destruir com armas de aço, usam armas químicas, ou a contaminação, com germes, de populações inteiras, organicamente indefesas, porque jamais haviam sido expostas ao tipo de contágio trazido pelos invasores. Eles chegam aos territórios ocupados por nativos, sabedores que ali existem riquezas a serem apropriadas e obstáculos a serem eliminados. Se não for com armas de aços, que seja com armas químicas. Havendo resistências usam de todo o acervo de extermínios de que são possuidores: Armas, Germes e Aços.
Na natureza não encontraremos uma única espécie animal (a mais voraz que imaginemos) que seja capaz de eliminar outro ser vivo, se não for para se alimentar, se defender ou para perpetuar a espécie. Os animais de estimação nos ensinam diariamente verdadeiras lições de fidelidade, de inteligência, de racionalidade, e pedem quase nada em troca.
A catástrofe pela qual está passando o Japão, além da convulsão pela perda de milhares de vidas e por aqueles sobreviventes, que perderam tudo o que tinham inclusive parentes, serviu para desnudar, em definitivo, como a “racionalidade e a inteligência humanas” são capazes de tornar mais dramática, de potencializar, ou de tornar pior uma situação já muito ruim.
Estou me referindo à explosão de segmentos do complexo de usinas nucleares que foram construídas no pais para fornecer parte da energia que abastece a população japonesa. Este tipo de fonte de energia, por si só, já é uma monumental irracionalidade. Num país situado sobre camadas propensas a ocorrências sísmicas sistemáticas torna mais brutal e irracional ainda a decisão de ter aquele tipo de geração de energia.
A natureza todo dia, inclusive no Japão, nos mostra a exuberância da energia solar que é a única capaz de produzir a vida no planeta. O armazenamento da luz e do calor emitidos pelo sol pode ser uma fonte muito mais inteligente de geração de energia elétrica. Um País, como o Japão, que é constituído de arquipélagos privilegiados com fortes rajadas de ventos, poderia aproveitar esta fonte de energia que, juntamente com a solar, geraria toda a eletricidade daquele país. Paradoxalmente, a força dos ventos (que não está sendo utilizada para gerar bem-estar) é uma das responsáveis pela rápida disseminação da contaminação radioativa que já chegou às grandes cidades. Ou seja, por causa da “racionalidade” e da “inteligência” humanas uma catástrofe como aquela, terá desdobramentos muito mais acentuados. E o pior ainda está por vir. Para corrigir os defeitos causados pelas explosões serão sacrificadas vidas humanas de “voluntários” que terão que chegar muito próximos das usinas para fazer-lhes os resfriamentos e os reparos. Eles e os familiares sabem que terão poucos dias de vida depois do “heroismo”. Farão o sacrifício para salvar a população japonesa. Em momentos assim, quem deveria estar na linha de frente para consertar os estragos, deveriam ser os governantes que tiveram a “inteligente” e “genial” idéia de iluminar parte do Japão com energia de fontes radioativas. Ai sim haveria alguma racionalidade.
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*Artigo escrito em 18 de março de 2011.