José Lemos*
Nesta semana a articulista Lya Luft da Revista Veja fez digressões sobre o comportamento do ser humano. Nós seres humanos nos jactamos de sermos os mais inteligentes, aqueles e aquelas que têm capacidade de sonhar, os únicos dos seres vivos capazes de realizar proezas inimagináveis e impensáveis para qualquer outro ser vivo.
Não estou convencido de que apenas nós humanos podemos ter tais desígnios. A minha convivência com animais e plantas me induz a ter cá minhas dúvidas de que esses seres com quem sempre convivi não têm capacidades de antever, de sonhar e de realizar ações que, aí sim, eu posso afirmar com convicção, eu jamais realizaria. Uma dessas ações é a fidelidade incondicional, a disposição que os animais que vivem comigo tem para se anteciparem a qualquer maldade que eles vislumbrem que possa vir me acontecer eles estando nas imediações. Eles são capazes de morrer por mim. Mesmo sabendo disso, eu estou certo de que não morreria por eles. Contradições tormentosas para mim.
O texto da articulista da Veja descreve, com muita propriedade, o comportamento muitas vezes sórdido dos seres humanos. A satisfação que tem quando sabem que alguém se deu mal. Impressionante a capacidade das pessoas desenvolverem sentimentos tão pérfidos como a inveja e a dissimulação. Dos seres vivos, o ser humano é o único capaz de matar, cometer atrocidades contra outros seres vivos (ai incluindo animais, plantas e gente) por absoluta convicção maldosa e até por diversão. Para isso os pais contribuem bastante ao educarem os seus filhos maltratando animais, criando pássaros em gaiolas, destruindo plantas… Nesta semana presenciei uma cena absolutamente odiosa e grotesca. Um pai amarrou um laço no pescoço de um gato que estaria incomodando os seus clientes (ele possui um bar na esquina da nossa rua), colocou uma corda e deu para o seu filho, um garoto de aproximadamente nove (9) anos, arrastar o pobre felino pela rua para abandoná-lo em algum lugar enquanto ele, o pai, seguia empurrando uma bicicleta. Felizmente vimos e interferimos, não sem antes falar algumas “verdades” duras para aquele agressor de um animal indefeso e faminto.
Na sua inteligencia e racionalidade os seres humanos são capazes de inventar “esportes” como a tourada, em que um homem em posem que colocam em duvida a sua sexualidade, aparentando valentia, entra numa arena para enfrentar um animal já acuado, sangrando, diante de uma platéia que se diverte e paga caro para assistir àquela cena medieval. Eu sempre fico contente quando sei da noticia de que um touro quase abatido antes de enfrentar o “herói” daquela massa estúpida reage e enfia o chifre pelo seu traseiro jogando-o distante. O ser humano ainda é capaz de outras atrocidades como a “farra do boi”, a vaquejada, em que dois brutamontes montados em cavalos que também são suas vitimas derrubam pelo rabo um animal correndo acuado e com medo. O Rodeio, em que um touro entra na arena com os testículos presos por uma cinta apertada e um “ peão herói” fica tentando se equilibrar sobre um animal pinoteando repleto de dor com a massa delirando. O espetáculo seria mais equilibrado se o “peão” do rodeio também estivesse com os próprios testículos presos, bem como os homens e mulheres que assistem aquela grosseria também estivessem com os seus órgãos genitais aprisionados por um cinto lhes apertando. Poderia continuar com o rosário de atitudes grotescas dos autodefinidos seres inteligentes e superiores. Mas vou parar por aqui.
Estou seguro que os atuais desatinos climáticos que, em tempos fazem acontecer chuvas em excesso, e em outros em quantidades insuficientes são resultados de maluquices humanas. Maltratar a natureza é exercício favorito da racionalidade humana. O desflorestamento, que é resultado dessa racionalidade, provoca desequilíbrio na sinergia natural solo-planta-solo. As copas das árvores funcionam como amortecedores da queda das chuvas sobre o solo, fazendo-a cair suavemente. Os seus troncos robustos funcionam como barreiras naturais. As raízes das espécies vegetais de todos os portes, funcionam como sistema venoso de diferentes calibres que conduz a água para o seu interior promovendo a recarga de aqüíferos que irão se transformar em “olhos d’dágua” de onde surgem rios, riachos, córregos, poços. O colchão de matéria orgânica que se forma no solo pela queda de folhas e galhos que se acumulam nessa camada superficial funciona como esponja absorvedora da umidade vinda das chuvas, e a utilizam para realizar o processo de fermentação aeróbica (de superfície) e anaeróbica, no interior do solo, que vira humos que revigora a floresta e recicla a vida.
A exclusão social, que acontece nas áreas rurais, que é também provocada pela racionalidade humana, expulsa contingentes de pobres para as áreas urbanas das cidades de médio e grande porte, principalmente. Ai chegando essa gente não encontra local adequado para morar e situa-se nas periferias, nas encostas de morros, nas margens de rios e córregos, nos manguezais, nas áreas de risco em fim. Sem saneamento e sem local adequado para destinar os resíduos sólidos, deixam-nos ao céu aberto e por isso são levados para os caminhos das águas. Quando as chuvas ocorrem de forma torrencial, que já é causada pelo desequilíbrio do desmatamento, encontra caminhos obstruídos e uma massa humana vulnerável. Na minha avaliação estaria ai uma das principais causas dos eventos que presentemente observamos em que milhares de conterrâneos nordestinos e nortistas são vitimas de enchentes. Nesses momentos não falta gente caridosa. A maioria é de fato, contudo há muitos oportunistas. Neste ultimo grupo há aqueles e aquelas que nunca se preocuparam com a qualidade de vida dessa gente e, quase sempre são os responsáveis diretos pelo quadro, e que se “sensibilizam” ao ponto chorarem. Se tiver holofotes e câmeras pela frente o choro fica mais intenso, para que a demagogia fique mais explicita. Ato continuo, e sem qualquer fundamentação técnica, estabelecem valores que dizem ser necessários para “resolver” o problema.
A quadra chuvosa vai passar. Muitos dos nossos irmãos e irmãs perderam os poucos pertences que conseguiram amealhar na vida. Alguns perderam a própria vida, outros, por conseqüência, perderam entes queridos. Os e as que “choraram” demagogicamente continuarão onde sempre estiveram. A vida seguirá com homens e mulheres continuando “superiores” a todos os outros seres vivos.