Gracilene Pinto
É incontestável a magia da noite na Baixada do Maranhão. Difícil dizer quando se apresenta mais bela, porque, se a lua cheia torna o cenário irreal clareando tudo, na escuridão o céu estrelado se assemelha a um baú de joias preciosas que parece derramar-se sobre a terra quando os pirilampos espalham pelos campos seu brilho purpurinado. Nem mesmo a rasga-mortalha com seus voos magistrais e gritos agourentos consegue romper o encantamento que se acentua quando o cantar dos galos atravessa a madrugada espantando curacangas e outras visagens para seu reinado de trevas e de lendas.
Não obstante as sombras da noite possam transmitir uma ideia de quietude e recolhimento, há uma movimentação velada a preencher o vácuo das noites baixadeiras, tanto por parte da natureza como pelo homem.
Os animais de hábitos noturnos tem atividade frenética. São grilos que cricrilam, sapos que coacham, caborés e bacuraus que gritam, cães que uivam namorando a lua ou que acuam as visagens amedrontando os baixadeiros mais supersticiosos, que mais se enrolam nas suas redes de fio batido como se a grossa obra do tear os pudesse proteger também das assombrações.
Homens e mulheres também não ficam atrás, e os serões de trabalho movimentam a noite. Enquanto a maioria dorme placidamente, laboreiros de toda ordem atravessam a noite em intensa atividade a costurar; a bater e tecer fios de algodão nos teares; a ralar mandioca que é depois espremida no tipiti; a descaroçar algodão; a enrolar folhasde tabaco para fazer charutos; a pescar bagrinhos em seus cochos inquietos ou a retirar das tapagens o pescado destinado ao almoço do dia que inicia, que o peixe acompanhado do indefectível pirão é o alimento indispensável na mesa dos baixadeiros. E os “causos” se intercalam ao canto dos trabalhadores enquanto o sereno torna a madrugada mais fria e mais escura, antecipando o alvorecer.
Mas, nem só de romantismo, encantos e mistérios é feita a noite baixadeira, porque durante muito tempo não foram somente as curacangas e visagens que assombraram as nossas noites. A noite mais escura que atormenta a Baixada do Maranhão é gerada pela ignorância, pela indolência, pela acomodação e pelo descaso. De administradores políticos e do povo, que não se pode imiscuir a responsabilidade do cidadão pela falta de iniciativa, pela preguiça dissimulada na falta de condições materiais, nem pelas escolhas políticas baseadas somente no interesse individual, mediato ou imediato. A inércia das instituições político-administrativas, sem excluir a responsabilidade dos baixadeiros pela falta de iniciativa e pela irresponsabilidade política é a noite realmente escura que manteve nossa região na zona de miséria por mais de um século, sem permitir nenhum tipo de progresso ou alteração de condição.
Porém, como falei em meus livros SÃO VICENTE FÉRRER – História, Povo e Cultura e SERÕES NA BAIXADA DO MARANHÃO, essa noite, onde nenhum luar tem conseguido penetrar, que fez com que a Baixada vivenciasse um marasmo secular, onde, no período da seca, impera a fome gerada pela falta de alimentos quando os campos viram longas extensões de duros torrões sobrevoado somente por gaviões e urubus, devido à falta de administração dos recursos hídricos, pode estar com os dias contados, pois o alvorecer só depende de nós e, felizmente, já se pode considerar que algumas iniciativas e projetos idealizados nos últimos anos estão trazendo as primeiras luzes para um alvorecer com dias de mais progresso e melhores condições de vida para a região.
O Fórum da Baixada, trazendo à baila novamente o projeto dos Diques da Baixada, que se mostra como a solução mais viável para a administração dos nossos recursos hídricos, e propiciando, com o auxílio da Internet, a integração entre os baixadeiros, levantou um conjunto de questões da problemática regional que, agora podem ser discutidas em tempo real facilitando o estudo das diversas situações, para, de acordo com as singularidades e pontos de vista de cada comunidade, mostrar as potencialidades e buscar as soluções mais viáveis, de modo a melhorar o dia a dia dos baixadeiros.
Com essa nova concepção de reconhecimento do potencial atípico de cada localidade, alguns baixadeiros já estão tomando iniciativas visando, efetivamente, à exploração de seus territórios de acordo com as singularidades e a capacidade de cada um. E assim, comunidades como Itans, no Município de Matinha, e como o Charco, em São Vicente Férrer, entre outras, conceberam projetos de piscicultura e agricultura e estão desenvolvendo os meios que lhes possibilitem a inserção dos seus produtos no mercado local e até mesmo externo.
Oxalá,essa pequena claridade seja anunciadora de um novo tempo para a nossa terra e para a nossa gente, possibilitando que a Baixada possa, enfim, despertar da sonolência da noite secular para entrever as luzes de um alvorecer de progresso e melhores condições de vida para todos.