José Lemos
Algo que aprendemos nas escolas desde a mais tenra idade é que existem no planeta terra os seres racionais e os irracionais. No primeiro grupo estaríamos nós, os humanos, providos de inteligência, sabedoria, talento criativo… No segundo grupo estão os demais seres vivos, sobretudo os animais que, segundo o que nos ensinam esses livros que pontificaram na nossa formação, são desprovidos daquelas características.
Na natureza dita irracional, não há um único ser vivo que mate outro ser vivo por motivação que não seja a busca de alimentação, a perpetuação da espécie ou ao se sentir ameaçado. Livres, sem que nós os humanos nos metamos para atrapalhar, animais e vegetais se organizam e mantem a natureza em equilíbrio.
Observe-se, por exemplo, um passarinho. Livre, nos brinda com a beleza do seu canto, da sua plumagem, do seu voo. Sabem que precisam estar leves para alçarem voos para acasalarem, buscarem alimentação, namorarem, se divertirem com outros companheiros. Não cometem exageros na comida, não ficam obesos, porque assim não podem voar. Comem só o necessário. E vivem felizes até que algum de nós se incomode com isso e resolva que eles devam cantar de tristeza numa gaiola, onde sequer têm o prazer de ir buscar o próprio alimento e ter companheiras para namorar. O ser racional acha que está fazendo muito colocando naqueles cubículos vasilhas com alpistes e outras com água, mantendo-os presos, com o olhar triste, vendo o sol, a parte restrita da natureza que lhe é permitida pelo algoz, por detrás daquelas grades que lhes são impostas pela crueldade de um individuo que se autoproclama de racional.
A morte do toureiro Victor Barrio na Espanha, no ultimo dia 9 deste mês de julho, é o exemplo acabado de como nós, seres humanos, somos brutalmente irracionais. Muitos chamam aquilo de esporte ou de espetáculo e se divertem vendo um animal entrando numa arena já em elevado estado de estresse, combalido, lancetado, sangrando. Vislumbra na frente alguém, que quando nasceu foi identificado como ser humano, lhe fazendo trejeitos com uma bandeira para irritá-lo, lhe incrementando a dor e o estresse. Um ritual macabro até ser atingido com a lancetada definitiva e a galera das arquibancadas no ápice da excitação, como se estivesse em orgasmo coletivo, gritar “Olé”! Desta vez o toureiro se deu mal. Melhor para a racionalidade.
Há uma demonstração maior de irracionalidade do que o hábito de fumar? A nicotina que tem no fumo e que se constitui num dos grandes “baratos” dos fumantes, é um repelente forte de pragas nas lavouras. Tanto que podemos utilizar a calda do fumo como inseticida. Os insetos que são tidos como irracionais não chegam perto porque sabem que serão fulminados. Nós, os racionais, alocamos uma parte da nossa renda para consumir diariamente um ou mais maços de cigarros. Haja inteligência!
E o que dizer da irracionalidade que é a brutalidade da matança de elefantes em países africanos. Organizações internacionais estimam que a cada quinze minutos (isso mesmo, 15 minutos) um elefante é morto para a retirada das presas de onde é extraído o marfim. Depois das presas serem retiradas, os caçadores deixam os animais sangrando ao relento num espetáculo funesto que mostra o nosso grau de insanidade, violência e de tudo o que é ruim. E tudo isso para abastecer lojas de luxo. Gente rica no mundo inteiro que externa as suas vaidades, luxurias, mostrando adornos retirados da matança descabida daqueles animais que correm o perigo de serem extintos.
No Brasil temos os rodeios que são eventos festivos e que normalmente reúnem gente abastada, bem apessoada e bem vestida. Gente que possui contas bancárias que são abastecidas generosamente e de forma continuada. Ali acontecem shows de cantores de música sertaneja (em geral de gosto duvidoso) e reúne multidões em arquibancadas irrigadas com bebidas caras, quase sempre importadas, canapés, petiscos, delicias de alcance proibido para a maioria dos brasileiros. Aquela gente “bonita” se reúne no entorno de uma arena para ver um rapaz encorpado, todo indumentariado de machão, montar num animal que ficou confinado, estressado, irritado, com os testículos presos para lhe causar muita dor. Aquela multidão vibra com o brutamonte montado naquele pobre animal. Ganha o espetáculo de maldades infindas, vejam só, o brutamonte que ficar mais tempo aguentando os pinotes do animal. Pinotes que ele, animal, emite por causa da dor e do sofrimento infindos por que passa num ambiente de “gente racional” em que ele, o animal, a vítima de tudo aquilo, é o único que é tido como “irracional”.
No caso dos rodeios a minha sugestão, que jamais será atendida, é que os brutamontes que vão montar aqueles pobres animais embrutecidos por gente como eles, deveriam entrar na arena com os seus “ovos” também presos por uma estrutura igual à que colocam nos touros. Os homens da plateia deveriam assistir ao “espetáculo”, com os seus “culhões” (desculpem a expressão chula, mas é isso que eles merecem) também presos. Ficaria uma cena hilariante para assistir à distancia. Principalmente depois do décimo copo de whisky, ou de qualquer outra bebida caliente. Seria também uma bela oportunidade para aqueles homens racionais testarem as respectivas virilidades com as companheiras depois de ambos terem se divertido bastante com aquele “espetáculo”.
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*Professor Titular e Coordenador do Laboratorio do Semiárido na Universidade Federal do Ceará. Artigo publicado no dia 23 de julho de 2016 no O Imparcial.
1 Comentário
Professor Lemos, que barbaridade terrível que nós, raça humana, dita racional, cometemos quando submetemos os animais a toda sorte de tortura e maus-tratos, como nos rodeios, vaquejadas, touradas e etc. Além disso, quando do abatimento dos animais, somos quase sempre terrivelmente cruéis! Precisamos repensar nosso conceito de racionalidade!