José Lemos*
Neste dia 19 de março nós, católicos nordestinos, reverenciamos São José. Um Santo importante para a crença e para as esperanças da maioria da gente sofrida que sobrevive por aqui. População que experimenta as vulnerabilidades induzidas – sendo a deseducação a mais cruel de todas – por parte do poder público, independentemente do matiz ideológico, que as impõem por todos os tipos de espúrias conveniências.
A ocorrência de chuva no Nordeste é algo festejado como uma conquista imprescindível. A crença popular costuma fazer associação, que a ciência discorda, entre chover no dia de São José e a ocorrência de um “bom inverno”. Por “bom inverno” nós entendemos, como a precipitação de chuvas abundantes até abril, maio.
Nos dias 20 e 21 de março acontece no hemisfério Sul o fenômeno do equinócio do outono. O equinócio se caracteriza por apresentar noite e dia com a mesma extensão. Um fenômeno astronômico, literalmente, que os meteorologistas descartam qualquer relação com a incidência de chuvas. Mas os nordestinos costumam fazer essa associação. Movidos pela esperança e pela crença no Santo a quem tem tanta devoção.
Como não atrapalha acreditar nisso, mesmo sendo homem de Ciência, acredito na sabedoria popular. Tomara que ela esteja correta e que sempre chova bastante nos dias 19 de março, e em todos os demais da quadra chuvosa que por aqui se estende de janeiro a maio, sobretudo nesse sertão nosso de homens e mulheres muito sofredores.
Sendo um dos muitos José’s que tem no Nordeste, ou simplesmente Zé, caçula dos dois Zé’s que Dona Amélia e Seu Domingos (meus pais) puseram neste mundo, resolvi entender um pouco do grande homem: José. A interpretação é minha, em cima das leituras que fiz. Espero não cometer blasfêmias.
Imaginemos um jovem no apogeu, com idade presumível entre trinta e trinta e cinco anos. Não se tem o cômputo exato da sua idade. Viril, com a carga hormonal se manifestando em plenitude, como acontece nessa fase da vida de um homem. Esse jovem morava num vilarejo. Exercia, honradamente, uma profissão humilde. Como todo jovem, também tinha sonhos de encontrar uma mulher a quem amar e ser amado por ela.
Um moço de fortes e inabaláveis convicções religiosas, que decidiu ficar casto à espera da sua amada, apesar das enormes tentações que pululavam ao seu redor. Foi assim que conheceu uma garota linda. Ela deveria ter idade presumível entre dezesseis e dezenove anos. O registro da idade também não é preciso, mas deveria estar nesse entorno.
O nosso Herói, conhecendo aquela beldade, logo se apaixona. E o faz como fazem os rapazes normais da sua idade. Quem passou por isso sabe como essas coisas acontecem. Eles começam a namorar. A paixão entre ambos deve ter se manifestado de forma intensa, como é entre jovens de sexos diferentes nessa fase da vida.
Mas moravam num vilarejo em que todos se conhecem e em que há regras, talvez não explicitadas em tratados, mas muito mais rígidas, pois forjadas em fundamentos familiares e religiosos. Decidem ficar noivos e esperar pelo tão sonhado dia do casamento, para darem vazão à explosão de sentimentos que os seus corações e os seus corpos jovens cultivavam.
Mas enquanto ele esperava o tão sonhado dia de ter a sua amada em plenitude e, finalmente os dois reverterem o voto de castidade que lhes consumiam e os deixavam mais ansiosos, chega-lhe a noticia de que a sua noiva está grávida.
Imagine-se o que se passou na cabeça daquele moço. Um sofrimento inimaginável. Uma dor incrível.
De caráter inabalável, decidiu que nada falaria, ou promoveria qualquer ação que pudesse depreciar o caráter e a imagem daquela mulher que amava com paixão. Sem maiores alardes, resolveu desfazer o noivado. Mas eis que nos seus intensos momentos solitários de sofrimento e de angústia, lhe aparece um ser extra-terreno que lhe diz que a Sua amada prosseguia virgem, e que a sua gravidez não se deu pelos processos naturais. Que ele, o nosso Herói, havia sido convocado para fazer parte de um projeto de salvação da humanidade, e que aquele deveria ser o Seu pesado fardo de sacrifícios.
Mais ainda, o ser extra-terreno o avisou que deveria esposar aquela moça que tanto amava e lhe atraia, e jamais tê-la como mulher. Que homem normal, viril, jovem, bonito, em qualquer época, aceitaria tamanho martírio? A Bíblia ensina que José, de Nazaré, topou o sacrifício. Viu o Filho nascer, crescer e passar por todo o sofrimento que nós cristãos aprendemos ao longo das nossas vidas. Apesar disso, nos dias do martírio que culminam na Sexta-Feira da Paixão, não há um único registro da presença Dele naquele sofrimento do Filho, que assumiu como sendo Seu, por um desígnio que Lhe estava fora do alcance.
Talvez a motivação para ele não aparecer nos registros que temos dos momentos do martírio do Filho decorra do fato de Ele já ter morrido por aquela ocasião. A Bíblia nos ensina que Jesus foi humilhado e morto no apogeu dos seus 33 anos. Caso estivesse vivo, José estaria com idade entre 63 e 65 anos. Na época em que viveu a esperança de vida ao nascer era baixa, e não deveria ser superior a essa. Este fato talvez justifique essa ausência de José naqueles momentos dramáticos e tão cruciais para a história da humanidade, sobretudo para nós que somos cristãos.
Nós, que somos José, temos responsabilidades enormes na condução deste nome. Temos a obrigação de nos mirar no exemplo do nosso Precursor Histórico, para sermos solidários, tolerantes, humildes. Não esperemos que suportemos a tortura psicológica, física e biológica de querer uma mulher, termos reciprocidade e decidirmos não tê-la em plenitude. Nesse aspecto apenas Ele, do alto do seu enorme caráter, sabedoria, desprendimento, seria capaz de assumir, como de fato assumiu.
Mas precisamos Lhe seguir os exemplos de sabedoria, sacrifício, renúncia, altruísmo e desapego com bens materiais e poder. Atitudes muito difíceis de serem conseguidas de forma sinérgica, mas que vale a pena tentar.
==========================
* Texto Publicado em O Imparcial do dia 18/03/2017.
1 Comentário
[…] A Grande Responsabilidade de Ser Um José. […]