José Lemos**
Depois de sairmos às ruas no maior movimento cívico recente do País que foi aquele das “Diretas Já” que culminou com a difícil conquista da redemocratização no Brasil, as administrações, tanto em nível federal, como estaduais e municipais, passaram a ter uma conotação muito mais política do que técnica e profissional, como seria o desejável. Já no primeiro governo civil, em que o destino nos pregou um grande golpe, percebeu-se que os cargos públicos passariam por um loteamento para beneficiar grupos específicos e criar um caminho, que hoje parece sem volta, o da corrupção endêmica dentro das maquinas administrativas da Federação, dos estados e dos municípios.
Quando lutamos pela volta da democracia, não estávamos pensando apenas na obrigação de votar a cada dois anos. Queríamos, dentre outras benesses da democracia, ter o direito de escolher votar ou não votar. Queríamos o voto, mas não desejávamos que fosse obrigatório, como acontece nas democracias civilizadas. Também não imaginávamos que as eleições se transformariam em referendo das vontades de caciques partidários. Todos os partidos políticos atuais, sem uma única exceção, não tem qualquer divergência doutrinária ou ideológica, mas têm uma incrível convergência de interesses. Aquela de ficarem bem perto do poderoso ou da poderosa da ocasião. Para isso, os seus “caciques” tiram do bolso os nomes dos candidatos em quem somos obrigados a votar. O exemplo maior vem das escolhas dos atuais candidatos para a Prefeitura de São Paulo, o estado mais rico do País. Imagine-se então como acontecem as escolhas por este Brasil continental de 5.564 municípios! A maioria desses municípios foi criada para atender interesses familiares locais. Resta-nos apenas a opção de anular o voto em sinal de protesto, já que não temos a opção de não comparecer às urnas, enquanto não sai a urgentíssima reforma política.
Democracia, segundo entendo, significa administração pública profissional, com gente comprometida. A redemocratização que buscávamos também tinha esta finalidade. O que faz a administração pública funcionar não são os governantes. Esses são passageiros, ao contrario do que imaginam. A governança (não gosto deste termo agressivo ao bom português) é garantida por uma equipe técnico-burocrática comprometida com o bom uso dos recursos públicos. Isso tem nome: chama-se competência técnica.
Um comprometimento desses, somente será conquistado mediante a seleção dos melhores, via concursos públicos isentos e impessoais. O processo prossegue com os aprovados sendo imediatamente convocados. Admitidos assim, não terão compromissos com padrinhos, mas com a população que lhes pagará os salários. Nesta condição, não terão porque temer perder posições contrariando interesses políticos, nem sempre republicanos, para usar outra palavra muito na moda de uns tempos para cá. Claro que não poderiam contrariar interesses monárquicos, se vivemos numa República. A não ser que os usuários da expressão acreditem que os interesses monárquicos sejam sempre manchados por corrupção. Se for este o caso, acho que deveriam olhar primeiro para os próprios passados.
O funcionário selecionado pela competência técnica terá condições de ajudar na condução da máquina pública da forma que interessa à maioria. As boas ações de Governo sempre terão continuidade, mesmo quando feitas por adversários. Prosseguem porque os funcionários envolvidos são os mesmos e não chegaram pelas mãos de políticos amigos.
Do jeito que as coisas passaram a acontecer no Brasil redemocratizado, em que os Ministérios foram multiplicados, as Secretarias dos Estados e dos Municípios seguiram a mesma farra, não pode dar certo. Fica pior ainda com partidos políticos sendo donatários de Ministérios, Secretarias de Estados ou municípios, onde nomeiam do Ministro ou Secretários ao flanelinha que lustra os carros dos poderosos que lhe deram o emprego.
A Federação, Estados e Municípios não geram riquezas, mas se apropriam de parte daquela produzida por nós trabalhadores e pelos empresários, sob a forma de uma das mais escorchantes cargas tributárias do planeta. Como o recurso para pagamento de pessoal tem um limite, quase sempre desrespeitado, esse pessoal é contratado percebendo baixas remunerações, para que possa ter espaço para mais gente. Muita gente! Que não precisa trabalhar, até porque não tem qualquer habilidade, a não ser aquela de bajular o seu mentor. Muitos são “fantasmas” e somente aparecem no dia de receberem os contracheques.
Este fato é muito mais exacerbado nos estados pobres. Naqueles mais ricos, apesar de também enveredarem pelo empreguismo, ainda é possível encontrar instituições sérias. Nos estados do Norte e Nordeste é difícil encontrar alguma que possa merecer este adjetivo. Tanto nas instituições federais, como nas estaduais e nas municipais. As federais serão chefiadas por militantes de um dos partidos que apóiam o governo da ocasião. O mesmo acontece com a miríade de cargos comissionados que existe nessas repartições públicas federais que são disputados “a tapas” pelos cabos eleitorais, amigos e parentes dos chefes políticos locais. Todos querendo, obviamente, apenas dar a sua “mordida” na folha de salários. Nos estados e municípios, os cargos também são preenchidos, seguindo a mesma lógica perversa, que é a de atender às cotas dos políticos que dão sustentação aos governadores e aos prefeitos da ocasião.
Claro que não pode funcionar um modelo assim! Por isso a pobreza, a desigualdade, o analfabetismo, a baixa escolaridade, as filas nos postos de saúde, a violência urbana, a regressão na produção agrícola familiar que provoca o êxodo rural. O caos urbano e rural.
Para o setor público apenas deveriam ir os melhores profissionais, garimpados mediante realização de concursos sérios e impessoais. Isso reduziria, drasticamente, as folhas de pagamento. Com menos gente, os salários seriam melhores e a meritocracia seria o instrumento de ascensão na carreira. A eficiência administrativa aumentaria. Sobrariam recursos para incrementar a educação, a saúde e na infraestrutura produtiva. Simples assim!
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*Artigo do dia 1 de maio de 2012
**Professor Associado contratado mediante Concurso Público prestado em 1985 para o Departamento de Economia Agrícola, na Universidade Federal do Ceará.